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domingo, 28 de abril de 2024

Introdução à paleontologia

 Olá pessoal, hoje eu trago tópicos fundamentais em paleontologia:

Rochas: registros de processos geológicos

O que determina as propriedades dos vários tipos de rochas que se formam nas profundezas e na superfície da Terra?

  A mineralogia (os tipos e proporções de minerais que constituem a rocha) e a textura (os tamanhos, as formas e o arranjo espacial de seus cristais ou grãos) definem uma rocha. A mineralogia e a textura de uma rocha são determinadas pelas condições geológicas sob as quais foi formada, incluindo a composição química, seja nas várias condições de alta temperatura e pressão do interior da Terra, seja na superfície, onde as temperaturas e as pressões são baixas.

Quais são os três tipos de rochas e como eles se formam?

 As rochas formam-se por cristalização dos magmas ao resfriarem-se. As rochas ígneas intrusivas formam-se no interior da Terra e têm cristais grandes. As rochas ígneas extrusivas, as quais se formam na superfície, onde as lavas e cinzas extravasam de vulcões, têm uma textura vítrea ou granular fina. As rochas sedimentares formam-se pela litificação de sedimentos após serem soterrados. Os sedimentos são derivados do intemperismo e da erosão das rochas expostas na superfície terrestre. As rochas metamórficas formam-se por alteração no estado sólido de rochas ígneas, sedimentares ou outras rochas metamórficas que são submetidas a alturas temperaturas e pressões no interior da Terra.

Como o ciclo das rochas descreve a formação destas como produtos dos processos geológicos?

 O ciclo das rochas relaciona os processos geológicos para a formação de cada um dos três tipos de rocha a partir dos outros. Podemos ver os processos iniciando em qualquer ponto do ciclo. Começamos com a formação das rochas ígneas pela cristalização do magma no interior da Terra. As rochas ígneas são, então, soerguidas para a superfície no processo de formação de montanhas. Aí, elas são expostas ao intemperismo e à erosão, que produzem sedimentos. Os sedimentos são levados de volta para as profundezas da Terra por soterramento e litificam para formar uma rocha sedimentar. O soterramento profundo leva ao metamorfismo ou fusão e, nesse caso, o ciclo recomeça. A tectôncia de placas é o mecanismo que faz o ciclo operar.

Sedimentos e rochas sedimentares

Quais são os principais processos formadores das rochas sedimentares?

 O intemperismo e a erosão produzem as partículas clásticas que compõem os sedimentos e, também, os íons dissolvidos que se precipitam para formar os sedimentos bioquímicos e químicos. As correntes de água e vento e o fluxo do gelo transportam os sedimentos para seus lugares definitivos de acumulação, os sítios de sedimentação. A sedimentação (também chamada de deposição), que é o assentamento de partículas a partir do agente de transporte, produz camadas de sedimentos em canais fluviais e vales, sobre dunas arenosas e nas orlas e assoalhos dos oceanos. A litificação e a diagênese endurecem os sedimentos, transformando-os em rochas sedimentares.

Quais são as duas principais subdivisões dos sedimentos e das rochas sedimentares?

 Os sedimentos e as rochas sedimentares são classificados como clásticos ou químicos e bioquímicos. Os sedimentos clásticos formam-se a partir de fragmentos de rochas parentais resultantes do intemperismo físico e de argilominerais, produzidos pelo intemperismo químico. As correntes de água e vento e o gelo carregam esses produtos sólidos para os oceanos e, às vezes, depositam-nos ao longo do caminho. Os sedimentos químicos e bioquímicos originam-se a partir dos íons dissolvidos na água durante o intemperismo químico. Esses íons são transportados em solução para os oceanos, onde se misturam com a água do mar. Por meio de reações químicas e bioquímicas, os íons são precipitados da solução, e as partículas precipitadas assentam-se sobre o assoalho oceânico.

Como são classificados os principais tipos de sedimentos clásticos? E os químicos e bioquímicos?

 Os sedimentos e as rochas sedimentares clásticos são classificados pelo tamanho de suas partículas como: cascalhos e conglomerados; areais e arenitos; siltes e siltitos; lamas, lamitos e folhelhos; argilas e argilitos. Esse método de classificação dos sedimentos enfatiza a importância da energia da corrente, no processo de transporte e deposição dos materiais sólidos. As rochas sedimentares e os sedimentos químicos e bioquímicos são classificados com base na sua composição química. As rochas carbonáticas - calcário e dolomito - são as mais abundantes dessa classe de rochas. O calcário é constituído predominantemente de materiais conquíferos precipitados por processos bioquímicos. O dolomito é formado pela alteração diagenética do calcário. Outros sedimentos químicos e bioquímicos são os evaporitos; os sedimentos silicosos, como o sílex; os fosforitos; as formações ferríferas; as turfas e outras matérias orgânicas que são transformadas em carvão, óleo e gás.

A evolução dos continentes


Quais são as principais feições geológicas da América do Norte?

 A crosta mais antiga está exposta no Escudo Canadense. Ao sul deste está a plataforma inferior coberta por sedimentos, onde as rochas do embasamento Pré-Cambriano são recobertas por camadas de rochas sedimentares paleozoicas. Essas regiões mais antigas formam o cráton continental. Em torno dos limites do cráton estão as cadeias de montanhas alongadas dos cinturões orogênicos mais novos. Os cinturões orogênicos principais são a Cordilheira Norte-Americana, que se estende pela borda oeste da América do Norte, e o cinturão dos Apalaches, que tem uma direção sudoeste a nordeste, na borda leste da América do Norte. As planícies costeiras, a plataforma do Oceano Atlântico e o Golfo do México são aprte de uma margem continental passiva que sofreu subsidência após o rifteamento da Pangeia. 

Como os continentes crescem?

 Rochas ricas em sílica com capacidade de flutuar são produzidas por diferenciação de magmas, principalmente em zonas de subducção. O movimento das placas provoca a acreção desse material às margens continentais por meio de quatro processos principais: transferência para uma placa continental cavalgante de fragmentos crustais de menor densidade a partir de uma placa em subducção; fechamento de bacias marginais, adicionando a crosta espessada dos arcos de ilhas ao continente; transporte lateral de material crustal ao longo das margens continentais por falhas transcorrentes; e sutura de duas margens continentais por colisão continente-continente e subsequente fragmentação dessas zonas por rifteamento continental.

O que são epirogênese e orogênese?

 As forças na crosta podem deformar grandes regiões dos continentes. Alguns movimentos regionais são simples deslocamentos por soerguimento e rebaixamento sem muita deformação das formações rochosas (epirogenia); exemplos são o Planato do Colorado e o soerguimento pós-glacial da Escandinávia e do Canadá central. Em outros casos, as forças horizontais decorrentes da convergência de placas podem produzir montanhas por dobramentos e falhamentos extensos e complexos (orogenia), como a Cordilheira Norte-Americana e os Apalaches, na América do Norte, os Alpes, na Europa, e o Himalaia, na Ásia. As Rochosas e os Alpes foram erodidos para formar relevos mais baixos e, então, foram recentemente rejuvenescidos por amplo soerguimento regional.

Como a orogenia modifica os continentes?

 A orogenia causada por convergência de placas pode deformar a crosta continental localizada a centenas de quilômetros da zona de convergência. O falhamento com cavalgamento de baixo ângulo pode empilhar a porção superior da crosta em múltiplas lâminas de cavalgamento com dezenas de quilômetros de espessura, deformando e metamorfizando as rochas que elas contêm. As cunhas de sedimentos da plataforma continental podem ser descoladas do embasamento sobre o qual foram depositadas e, então, empurradas em direção ao continente. A compressão da crosta pode dobrar a sua espessura, causando a fusão das rochas da crosta inferior. Essa fusão pode gerar grandes quantidades de magma granítico, que ascende para formar extensos batólitos na crosta superior. As montanhas são erodidas ao final da orogenia, adelgaçando a crosta e expondo as rochas metamorfizadas do embasamento.

O que é o Ciclo de Wilson?

 O Ciclo de Wilson é um ciclo geral da tectônica de placas que compreende quatro fases principais: rifteamento, durante a fragmentação do supercontinente; esfriamento da margem passiva; e acumulação de sedimentos, durante a expansão do assoalho oceânico e a abertura do oceano; vulcanismo de margem ativa e acreção de terrenos, durante a subducção e o fechamento do oceano; e orogênese, durante a colisão continente-continente.

Como os crátons arqueanos sobreviveram a bilhões de anos da tectônica de placas?

 Os crátons arqueanos são contornados em profundidade por uma camada de manto mais fria e resistente, ultrapassando 200 km de espessura, que se move com o manto durante a deriva continental. Essas quilhas parece ser tão antigas quanto os crátons. São formadas por peridotitos do manto que foram empobrecidos pela extração de magmas máficos, o que rebaixou a sua densidade e estabilizou a quilha, não permitindo que seja rompida pela convecção do manto e pelos processo da tectônica de placas.

Processos e tipos de fossilização

 A vida na Terra surgiu há aproximadamente 3,8 bilhões de anos e, desde então, restos de animais e vegetais ou evidências de suas atividades ficaram preservados nas rochas e outros materiais como o gelo, o âmbar e o asfalto. Estes restos e evidências são denominados de fósseis (fóssil, do latim, fossilis = extraído da terra) e constituem o objeto de estudo da paleontologia (do grego, palaios = antigo, ontos = ser, logos = estudo). A história dos fósseis é também a história da migração dos continentes, das mudanças climáticas, das extinções em massa e das modificações ocorridas na fauna e flora ao longo do tempo geológico.

   A fossilização de um organismo resulta da ação de um conjunto de processos químicos, físicos e biológicos que atuam no ambiente deposicional. Têm mais chances de serem preservados aqueles organismos que possuem partes biomineralizadas por carbonatos, fosfatos, silicatos ou constituídos por materiais orgânicos resistentes, como a quitina e a celulose. Mesmo assim ocorrem no registro geológico muitas preservações excepcionais de partes moles.

 Após a morte dos organismos, no ciclo natural da vida, as partes moles entram em processo de decomposição devido à ação das bactérias e as partes duras ficam sujeitas às condições ambientais, culminando com sua destruição total. A fossilização representa a quebra desse ciclo e portanto deve ser sempre vista como um fenômeno excepcional. No decorrer do tempo geológico, apenas uma percentagem ínfima das espécies que um dia habitaram a biosfera terrestre preservou-se nas rochas. Muitas espécies surgiram e desapareceram sem deixar vestígios, existindo portanto muitos hiatos no registro paleontológico.

 Vários fatores atuam na preservação dos indivíduos e favorecem a fossilização. O soterramento rápido após a morte, a ausência de decomposição bacteriológica, a composição química e estrutural do esqueleto, o modo de vida, as condições químicas que imperaram no meio, são alguns desses fatores, cujo somatório determinará o modo de fossilização.

 Mesmo depois dos fósseis já estarem formados, outros fatores concorrem para a sua destruição nas rochas, como águas percolantes, agentes erosivos, vulcanismo, eventos tectônicos e metamorfismo. As rochas onde são encontrados indicam as condições que prevaleceram no ambiente onde esses organismos viviam ou para o qual seus restos foram transportados.

 Tipos de fossilização

 Podemos reunir os tipos de fossilização em dois grandes grupos: restos e vestígios. Restos, quando alguma parte do organismo ficou preservada, e vestígios, quando temos apenas evidências indiretas do organismo ou de suas atividades.

A. Restos

  Os restos na maioria das vezes, consistem nas partes mais resistentes dos organismos, tais como conchas, ossos ou dentes, denominadas partes duras. Com a evolução dos conhecimentos, têm-se descoberto no registro fossilífero muitas partes moles preservadas, como vísceras, pele, músculos, vasos sanguíneos, que têm contribuído para um melhor conhecimento da anatomia e fisiologia dos organismos fósseis.

 As partes duras, devido à sua natureza, têm mais chances de se fossilizarem. Sua composição pode ser de sílica (SiO₂), bastante resistente às intempéries, como as espículas de algumas esponjas; de carbonato de cálcio (CaCO₃) sob a forma de calcita ou aragonita, das quais são constituídas as placas esqueléticas de equinodermos e conchas de moluscos; de quitina, um polissacarídeo complexo, menos durável do que a maioria dos esqueletos minerais e que compõe o exoesqueleto dos insetos.

 Os restos vegetais apresentam-se sempre dissociados no registro fóssil, dificultando o estudo da planta como um organismo completo. De um modo geral, as folhas, caules, sementes e pólens encontram-se separados nos sedimentos. 

Preservação das partes moles 

 A preservação de partes moles é um evento extraordinário. Após a morte, os organismos entram rapidamente em processo de decomposição e, dependendo do ambiente, raramente se conservam. Por exemplo, plantas e animais de florestas tropicais decompõem-se com tanta rapidez, devido à grande quantidade de água e oxigênio disponível no ambiente, que somente em condições muito especiais, como um soterramento rápido, estes organismos podem se fossilizar. Águas ricas em cálcio neutralizam os ácidos dentro dos sedimentos, permitindo que partes moles, como pele, músculos e órgãos internos de vertebrados, permaneçam intactos.

 São conhecidos na literatura alguns casos excepcionais, onde organismos completos se preservaram, tanto as partes moles como as duras. Ficaram de tal forma protegidos que permaneceram intactos até os dias de hoje. Citaremos, a seguir, alguns destes exemplos.

 As ocorrências de nódulos de âmbar contendo insetos, aracnídeos, rãs e outros organismos são bastante conhecidas. O âmbar é uma resina fóssil, proveniente de várias espécies de gimnospermas e angiospermas, encontradas em grandes quantidades nos terrenos terciários na costa sul do Báltico e na República Dominicana.

 As condições glaciais na Sibéria e no Alasca possibilitaram a preservação de mamutes lanosos e rinocerontes. Estes animais permaneceram congelados desde a última glaciação do Pleistoceno (45000 anos) e muitos deles ainda apresentavam a pele e os músculos em perfeito estado. Seu conteúdo estomacal estava intacto e com isto foi possível conhecer os vegetais de que eles se alimentavam.

 Fósseis de preguiças com as partes moles preservadas por dessecação foram encontrados em terrenos pleistocênicos da Patagônia. Este tipo de fossilização ocorre em locais com clima seco e árido onde, após a morte, o animal desidrata rapidamente, ficando protegido do ataque das bactérias.

 Este processo de fossilização por desidratação é denominado por alguns autores de mumificação. Outros, empregam também esta denominação para os organismos que se preservaram inteiramente, como os mamutes congelados e os insetos conservados no âmbar.

 Mamutes lanosos e rinocerontes pleistocênicos conservaram-se em ozocerite, uma parafina natural ou cera fóssil, na região da Galícia, na Espanha.

 Vários mamíferos pleistocênicos extintos foram encontrados em lagoas asfálticas nos Estados Unidos e na Polônia. A turfa e o alcatrão com suas propriedades antissépticas impediram o processo de decomposição, possibilitando a fossilização.

 A preservação das partes moles está mais frequentemente associada a mineralizações dos carbonatos, e em menor escala a de sulfetos e fosfatos. Um exemplo é o calcário litográfico do Jurássico da Alemanha, onde o fóssil Archaeopteryx foi encontrado. O excelente estado do fóssil, onde até as penas estavam impressas, deslumbrou a comunidade científica na época do achado. Como exemplo de ocorrências de partes moles fosfatizadas, temos o caso das lulas, no Jurássico da Inglaterra e trilobitas com apêndices completos, encontrados no Cambriano da Suécia. Cefalópodes do Devoniano da Alemanha, tiveram suas partes moles inteiramente piritizadas.

 Entre os melhores exemplos de fossilização de tecidos moles está o Folhelho Burgess, da Columbia Britânica, Canadá. Vários organismos marinhos como algas, esponjas, animais vermiformes e artrópodes, ficaram preservados. Além desses, ocorrem algumas for- mas bizarras, que parecem ter sido apenas parte de um organismo, sem similares no registro paleontológico. Há extensa literatura sobre esta associação fossilífera, entre as quais destacamos Gould (1990).

 No Brasil, os fósseis da Formação Santana, Cretáceo da Bacia do Araripe, constituem o melhor exemplo brasileiro deste caso. Uma numerosa e diversificada fauna de vertebrados, com dominância de peixes, além de vegetais, insetos e outros grupos é encontrada em nódulos calcários. Atualmente, um grande número de pesquisadores trabalha com os fósseis desta formação.

 Há vários estudos sobre a ocorrência de tecidos moles em fósseis brasileiros. Kellner & Campos (1999) identificaram tecidos epidérmicos, fibras musculares e vasos sanguíneos em arcossauros da Formação Santana. Simone & Mezzalira (1993) descreveram vestígios de partes moles em biválvios cretáceos da Bacia Bauru.

Preservação das partes duras 

 As partes duras podem ser preservadas através de vários processos de fossilização: incrustação, permineralização, recristalização, substituição e carbonificação.

• Na incrustração, as substâncias transportadas pela água cristalizam-se na superfície da estrutura, revestindo-a por completo, preservando assim a parte dura. Este é o processo de fossilização que ocorre geralmente com organismos mortos ou transportados para cavernas. Os animais morrem, a parte orgânica desaparece e então os ossos são incrustrados de carbonato de cálcio. Além da calcita, outras substâncias podem também participar deste processo, como a pirita, a limonita e a sílica;

• A permineralização é um tipo de fossilização bastante frequente. Ocorre quando um mineral preenche os poros, canalículos ou cavidades existentes no organismo. Os ossos e troncos de árvores são muito porosos e bastante susceptíveis a essa forma de preservação. As substâncias minerais, com o carbonato de cálcio e a sílica, que são capazes de ser carreadas pela água, penetram nas cavidades lentamente, permitindo muitas vezes que a estrutura original seja preservada;

• A recristalização ocorre quando há modificação na estrutura cristalina do mineral original, a composição química permanece a mesma. Por exemplo, a conversão da aragonita das conchas de moluscos em calcita; a mudança no arranjo cristalino da calcita, de micro para macrocristalina; da opala, amorfa, para calcedônia, criptocristalina. Sempre que ocorre recristalização há a destruição das microestruturas. A aragonita é um polimorfo instável em relação à calcita nas temperaturas e pressões comuns. Aquecendo-se no ar, a aragonita começa a se transformar em calcita, a 400°C, mas em contato com a água ou com soluções contendo CaCO₃ dissolvido, a transformação pode ocorrer em temperatura ambiente;

• A carbonificação ou incarbonização é um processo de fossilização onde ocorre a perda gradual dos elementos voláteis da matéria orgânica, oxigênio, hidrogênio e nitrogênio são liberados, ficando apenas uma película de carbono. Este tipo de fossilização ocorre com maior frequência nas estruturas constituídas por lignina, celulose, quitina e queratina. Apesar das alterações ocorridas na composição química original, muitas vezes a microestrutura fica preservada e permite o estudo da anatomia dos vegetais fósseis;

• Outro processo de fossilização é a substituição. É o que ocorre quando, por exemplo, o carbonato de cálcio que constitui as conchas é substituído por sílica, pirita ou limonita, e até mesmo por novo carbonato de cálcio. Nesses casos, os fósseis são réplicas das conchas primitivas. Quando esse processo é muito lento, detalhes da estrutura dos tecidos podem ficar preservados - nos troncos vegetais em que se deu esse tipo de substituição podem ser encontrados restos de tecidos carbonificados (histometabase).

B. Vestígios

 Os vestígios são evidências da existência dos organismos ou de suas atividades. Os animais e vegetais que deram origem aos fósseis não se preservaram.

 Tomemos como exemplo uma conchas. Durante o soterramento, suas cavidades internas são preenchidas pelos sedimentos circundantes. Com o decorrer do tempo, elas são dissolvidas pelas águas percolantes, restando somente o espaço que era ocupado anteriormente pela concha. Ficaram formadas duas impressões, o molde externo, que é a moldagem da superfície externa e o molde interno, que revela a morfologia ou estrutura interna do organismo ou parte dele. Se o espaço formado foi posteriormente preenchido por outro mineral, formou-se uma réplica do original, que denominamos de contramolde.

 Asas de insetos, folhas de vegetais e outros órgãos similares compostos de quitina ou celulose, podem ficar impressos nas rochas. São consideradas como positivas quando estão em alto-relevo e negativas, em baixo-relevo.

 Vestígios das atividades vitais dos organismos são frequentes no registro sedimentar e sua presença nos sedimentos contribui para fazer inferências paleoambientais. Estes fósseis são denominados de icnofósseis. Os mais frequentes são as pistas, tubos e sulcos produzidos por animais invertebrados, resultantes do seu deslocamento no substrato e as pegadas deixadas por vertebrados nos sedimentos inconsolidados.

 Há também testemunhos de outras atividades biológicas como nutrição e reprodução. É difícil reconhecer os autores destas marcas, pois em geral eles não se fossilizam.

 Com relação às atividades de nutrição os mais encontrados são os excrementos fossilizados, denomi- nados de coprólitos. Podem ser produzidos por vertebrados ou invertebrados. Seixos, denominados de gastrólitos, são interpretados como as pedrinhas que as aves e alguns répteis têm no aparelho digestivo para auxiliar na digestão.

 Ovos fossilizados, principalmente de répteis, também têm sido encontrados com frequência. Há ainda outros vestígios menos comuns, mas bastante interessantes, como as marcas de dentadas de répteis em conchas de cefalópodes e de mamíferos sobre ossos; sulcos feitos nas rochas pelos bicos das aves; ninhos fossilizados; regurgitos de aves de rapina contendo dentes e ossos de micromamíferos.

Outras Considerações

Somente os restos ou vestígios de organismos com mais de 11000 anos são considerados fósseis (quando os vestígios posusem menos de 11000 anos são chamados de subfósseis). Este tempo, calculado pela última glaciação, é a duração estimada para a época geológica em curso: o Holoceno ou Recente.

Os fósseis ocorrem em sua grande maioria em rochas sedimentares. Excepcionalmente, alguns foram encontrados em rochas metamórficas de baixo grau e em rochas ígneas eruptivas.

Tafonomia: processos e ambientes de fossilização

 Tafonomia é a ciência que estuda o processo de preservação dos restos orgânicos no registro sedimentar e como esses processos afetam a qualidade do registro fóssil (Behrensmeyer et alii, 2000). O termo Tafonomia (do grego: tafos sepultamento; nomos leis) foi introduzido na literatura por Efremov (1940), originalmente para designar o estudo das "leis" que governam a transição dos restos orgânicos da biosfera para litosfera. De um modo geral, pode-se dizer que a Tafonomia nasceu da necessidade do paleontólogo em entender como os organismos e seus restos chegaram à rocha e quais foram os fatores e processos que atuaram na formação das concentrações fossilíferas. Rapidamente, notou-se, porém, que a passagem dos restos orgânicos da biosfera para a litosfera não podia ser descrita por "leis", nem visualizada como ocorrendo dentro de certos padrões constantes e repetitivos. A partir daí, a Tafonomia ganhou terreno no âmbito da Geologia e a Paleobiologia, especialmente após os rigorosos programas de pesquisa conduzidos por J. Weigelt e E. Wasmund, pesquisadores da chamada Escola Alemã de Actuopalentologia (vide Cadée, 1991, para uma revisão histórica). Historicamente, a Tafonomia desenvolveu-se independentemente na Paleontologia de Invertebrados, Vertebrados e Paleobotânica e, de modo tardio, na Micropaleontologia e Palinologia.

 Atualmente, ciências relacionadas à Paleontologia, como a Arqueologia e a Paleoantropologia têm demonstrado interesse, sendo que uma das áreas com maior desenvolvimento é o da chamada Tafonomia Forense. A despeito dos enormes avanços ocorridos no campo conceitual e metodológico da Tafonomia, não existe ainda, porém, uma "Teoria Tafonômica Unificadora" (Kowalewski, 1997). A figura 3.1 resume, esquematicamente, algumas das relações entre a tafonomia e outras disciplinas paleontológicas e geológicas.


* Bioestratinomia (ou Bioestratonomia) é o estudo dos processos que ocorrem depois que morre um organismo, mas antes do seu enterro final. É considerada uma subseção da tafonomia, juntamente com necrologia (o estudo da morte de um organismo) e diagênese (as alterações que ocorrem após o enterro final).

A Natureza do Registro Fóssil

 Seilacher (1970) foi o primeiro autor a tratar os restos orgânicos como partículas sedimentares, sujeitas aos mesmos processos de transporte, seleção e concentração das partículas sedimentares clásticas, no ciclo exógeno. Seilacher (1970) empregou os termos retrato de morte (Todeshild), para designar as tafocenoses (concentração de partículas biogênicas soterradas) ou orictocenoses (concentrações fósseis) e retrato de vida (Lebensbild), para designar as biocenoses, ou seja, a fonte dos materiais ou restos orgânicos que irão compor as assembleias fósseis (figura 3.2). Comumente, as tafocenoses representam um "retrato" distorcido e repleto de tendenciamentos, decorrentes dos diversos processos ou filtros tafonômicos (figuras 3.2 e 3.3). A meta da Paleontologia e, em especial da Paleoecologia, é a compreensão do retrato de vida, a partir da identificação e da descrição dos processos tafonômicos, sedimentares e temporais que atuaram na gênese do registro fóssil (figura 3.3), ou seja, no retrato de morte. Portanto, o reconhecimento e a quantificação dos tendenciamentos presentes nas tafocenoses (fonte de dados paleontológicos) é a motivação primária por trás dos estudos tafonômicos.


 Tendo em vista os comentários acima, é interessante, primeiramente, entender quais são os possíveis fatores que atuam na formação do registro fóssil e como esses introduzem distorções que afetam a sua qualidade. É consenso geral entre paleontólogos e geocientistas que o registro fóssil é incompleto, pois durante a sua formação, fatores intrínsecos (e. g. composição e microestrutura do esqueleto) e extrínsecos (e. g. taxas de sedimentação, pH da água intersticial) atuam contribuindo para aumentar ou diminuir as probabilidades de preservação dos restos orgânicos. Embora incompleto, o registro fóssil é, porém, muito adequado à maioria dos requisitos da Paleontologia, bem como, à solução de problemas geológicos (biocorrelação) e biológicos (evolução) mais amplos (Donovan & Paul, 1998). De fato, nas últimas duas décadas (veja uma síntese em Kidwell & Holland, 2002), avanços na tafonomia e estratigrafia em muito contribuíram para ampliar o entendimento sobre a completude do registro fóssil. 

 A pesquisa tafonômica, nessa área esteve concentrada em quantificar as probabilidades de preservação de diferentes grupos taxonômicos, determinar a resolução temporal e espacial dos níveis fossilíferos e no reconhecimento das mudanças seculares dos padrões de fossilização ao longo do Fanerozoico. Por outro lado, a estratigrafia concentrou-se em elucidar questões relativas à identificação e dimensão temporal dos hiatos estratigráficos, dentre outros problemas. Esses avanços transformaram a pesquisa paleontológica, particularmente no que diz respeito às análises macroevolutivas (Kidwell & Holland, 2002).

 Tendo isso em mente, a seguir serão analisados os principais parâmetros relativos à natureza do registro fóssil. Esses parâmetros são:

1) a completude;

2) a mistura temporal;

3) a mistura espacial.

 Tais parâmetros expressam a chamada qualidade do registro fóssil (Kidwell & Flessa, 1996; Kowalewski, 1997; Kidwell & Holland, 2002). Antes, porém, é conveniente tecer breves comentários sobre a completude do registro biológico.

Estimativas recentes sobre a biodiversidade dão conta que apenas 10% das espécies existentes (viventes) já foram descritas (Sepkoski, 1981; Paul, 1985, 1998; Foote, 2001). Notavelmente, mesmo que todas as espécies existentes no mundo fossem descritas, essas representariam cerca de 3-5% de todas as espécies que viveram ao longo do Fanerozoico. Quando são considerados os ambientes sedimentares do Recente, sabe-se que tanto esses, como os hábitos de vida dos organismos afetam a probabilidade de esses serem encontrados e estudados. É só pensar na facilidade de acesso à coleta de dados e material biológico no ambiente praial, em comparação ao ambiente marinho abissal. Portanto, o registro de espécies viventes é igualmente incompleto, tendencioso e ainda pouco conhecido. Além disso, nenhuma ciência está fundamentada em um conjunto completo de informações. Os dados advindos do registro fóssil são, portanto, comparáveis ao conjunto de dados disponíveis para qualquer outra ciência.

 Completude refere-se à representatividade de um táxon ou grupo taxonômico no registro sedimentar. Já foi dito que táxons diferentes possuem distintas probabilidades de preservação. Como resultado, o registro paleontológico não é completo, com determinados grupos taxonômicos (e. g. moluscos) possuindo melhor representatividade do que outros (e. g. cnidários medusoides). Esse fato é claramente demonstrado pelo escasso registro fóssil de organismos desprovidos de partes duras mineralizadas. A preservação de organismos de corpo mole (e. g. fauna de Ediacara, Austrália) requer condições deposicionais particulares, as quais são geologicamente raras, ocorrendo em intervalos de tempo muito distintos e sob condições ambientais muito específicas (vide o item Preservação Excepcional). Contrariamente, os táxons com partes biomineralizadas estão melhor representados no registro fóssil.

Estimativas recentes (Kidwell & Holland, 2002) mostram que cerca de 50% das espécies de corais escleractíneos, 75% de equinoides e 90% de moluscos encontrados vivos possuem representantes mortos nas tanatocenoses locais (tanatocenose assembleia de mortos, vide figuras 3.2 e 3.3) (Kidwell & Flessa 1996). Obviamente, porém, os processos operantes nos ambientes sedimentares diminuem ou reduzem a probabilidade de preservação de determinados táxons, como indicado por Valentine (1989). Esse autor de monstrou que 80% das espécies viventes de moluscos conchíferos, atualmente encontradas na provincia da Califórnia estão preservadas nas rochas locais do pleistocênico. Em outras palavras, do Pleistoceno para o Holoceno houve uma perda de aproximadamente 20% na representatividade de elementos desse grupo. 

É importante observar ainda que, em geral, para os grupos taxonômicos providos de partes. biomineralizadas, as perdas durante o processo de fossilização são relativamente previsíveis (Kidwell & Holland, 2002) e, atualmente, bem conhecidas. Dados muito recentes, disponíveis para os moluscos bivalves. (Valentine et alii, 2006) mostram, por exemplo, que os táxons faltantes no registro fóssil, não representam uma amostra aleatória dentro desse grupo. Por exemplo, dos 1.292 taxa (gêneros e subgêneros) de moluscos viventes, 308 não têm representantes no registro fóssil. Esses taxa faltantes apresentam, pelo menos, duas das condições a seguir: possuem conchas muito pequenas (em torno de 1 cm) e de fácil dissolução (aragoníticas), são parasitas ou comensais, ou vivem em áreas marinhas profundas (abaixo dos 200 metros), tendo distribuição geográfica restrita (Valentine et alii, 2006). De fato, comumente, os organismos com partes duras de pequenas dimensões estão mais susceptíveis à destruição (fisica, química e/ou biológica) (Cooper et alii, 2006). Da mesma forma, esqueletos compostos por aragonita são preferencialmente destruídos por dissolução, se comparados aos de calcita. O tamanho das populações também exerce influência, estando os táxons com populações grandes melhor representados no registro (Kidwell & Flessa, 1996).

 Mistura temporal (=time-averaging ou temporal mixing) refere-se à mistura de partículas bioclásticas (restos esqueletais) de diferentes idades (horas a milhões de anos) em uma única acumulação. Trata-se de um fenômeno comum e inerente ao registro sedimentar e que não pode ser removido ou eliminado pelas estratégias de coleta e análise dos dados paleontológicos (Kowalewski et alii, 1998). O fenômeno resulta da bioturbação dos sedimentos, da compactação, mas principalmente do retrabalhamento dos substratos por agentes hidráulicos, tais como as tempestades e ondas, sob regime de baixa taxa de sedimentação. De fato, na maioria dos ambientes sedimentares, o retrabalhamento e a deposição de sedimentos, poreventos de alta energia, como as tempestades (ambiente marinho) e inundações (ambiente fluvial) não ocorrem periodicamente, ou seja, no dia a dia. Esses são eventos episódicos no tempo. Portanto, normalmente, as taxas de sedimentação são relativamente mais baixas do que o tempo de vida dos indivíduos de uma dada população. Em outras palavras, as taxas de sedimentação do dia a dia não são, em geral, suficientemente altas, para individualizar camadas contendo as diferentes gerações que já existiram, de uma dada população, pois para que isso ocorresse seriam necessários soterramentos contínuos, individualizando as diferentes gerações, em estratos únicos. Obviamente, como essas condições não existem nos ambientes sedimentares, as tanatocenoses compreendem, em geral, acumulações de restos esqueletais de individuos de diferentes gerações, que nunca conviveram juntos (Kowalewski et alii, 1998; Olszewski, 2004). Em casos extremos, quando condições de baixa taxa de sedimentação prevalecem por períodos prolongados de tempo, coincidindo com mudanças ambientais, restos esqueletais de organismos de diferentes ambientes poderão estar misturados, em um único estrato sedimentar ou concentração fossilífera (Simões & Kowalewski, 1998). Tais estratos compreendem registros temporal e ambientalmente condensados (Simões & Kowalewski, 1998). O aumento na durabilidade dos esqueletos, em razão da robustez, só contribui para ampliar a possibilidade de ocorrência da mistura temporal, já que os esqueletos mais duráveis poderão permanecer por mais tempo nas superfícies deposicionais ou sobreviver aos inúmeros episódios de retrabalhamento e soterramento.

 A pesquisa tafonômica da década de 1990 procurou tratar o problema da mistura temporal a fundo (veja uma síntese das escalas de tempo de acumulação para assembleias de invertebrados, vertebrados e plantas em Kidwell & Behrensmeyer, 1993a,b,c). Como resultado, sabe-se hoje que, para as acumulações de conchas de moluscos, braquiópodes e foraminíferos, em ambientes marinhos, plataformais, do Recente, a mistura temporal envolvida é da ordem de centenas a milhares de anos (e. g. Caroll et alii, 2003; Barbour-Wood et alii, 2006). Padrão temporal semelhante é apresentado pelas concentrações de ossos de vertebrados em sistemas fluviais. Os depósitos sedimentares gerados em sistemas fluviais contêm os principais registros de vertebrados fósseis. Neles também são verificadas as maiores misturas temporais. O retrabalhamento dos ossos depositados nos canais fluviais e nas planícies de inundação gera acúmulos de ossos com mistura temporal da ordem de 1000 a 100 000 anos (Behrensmeyer, 1982; Behrensmeyer & Hook, 1992). Estudos indicam que é baixa a probabilidade de haver registros de sedimentações, nesse intervalo de tempo de 10 a 10 anos. Concentrações de ossos encontradas em sedimentos de canal fluvial indicam mistura temporal da ordem de 10 a 10 anos. Portanto, para serem fossilizados, os restos de vertebrados devem sobreviver ao retrabalhamento e outros fatores tafonômicos de destruição por intervalos prolongados de tempo. Nos canais fluviais, a quantidade de tempo envolvida numa tafocenose dependerá do grau de erosão da planície e da taxa de sedimentação nas barras. Behrensmeyer (1982) exemplifica da seguinte maneira: se o canal apresenta uma profundidade de 2 metros e os depósitos das barras apresentam uma taxa de acumulação de 0,5 m/1 000 anos (típico de depósitos fluviais, vide referências em Behrensmeyer, 1982), então a assembleia fóssil representará, pelo menos 4000 anos. Em contraste ao verificado no caso dos invertebrados. conchíferos e vertebrados, as acumulações de órgãos vegetais frágeis, tais como as folhas, por exemplo, apresentam mistura temporal de meses a anos, apenas.

 A despeito das sérias implicações paleoecológicas do fenômeno de mistura temporal, um aspecto importante que tem sido demonstrado pelos resultados das pesquisas recentes, nessa área de investigação, é o de que as tafocenoses contendo mistura temporal, da ordem de centenas a milhares de anos são dominadas por indivíduos pertencentes às classes de idades mais recentes, sendo os mais antigos, numericamente menos representativos (figura 3.4) (Kidwell, 2002). Esse aspecto é, até certo ponto, previsível, pois a destruição e alteração dos materiais biológicos ocorrem durante a fase de acumulação desses. Portanto, os materiais mais antigos têm maior probabilidade de serem expostos aos agentes de destruição tafonômica do que os recém-incorporados aos sedimentos. Quanto maior a susceptibilidade à destruição e eliminação, menor a possibilidade de se juntar à tanatocenose. Por esse motivo, os elementos biológicos mais antigos contribuem pouco para a formação da acumulação bioclástica final (Kowalewski et alii, 1998; Olszewski, 2004).

 Mistura espacial ou condensação ambiental diz respeito à mistura de partículas biogênicas de organismos que ocupam diferentes ambientes sedimentares em uma única acumulação bioclástica. Assim como o fenômeno de mistura temporal, a mistura espacial confunde e dificulta a habilidade dos paleontólogos de reconstruir e interpretar as antigas comunidades e paleoambientes. Por essa razão, o estudo tafonômico e sedimentar/estratigráfico deve, obrigatoriamente, preceder à análise paleoecológica. O aumento da robustez do esqueleto biomineralizado de muitos grupos taxonômicos ao longo do Fanerozoico, além de torná-los mais susceptíveis à mistura temporal, contribuiu também para torná-los mais propensos ao transporte e retrabalhamento, após a morte. Ou seja, tafocenoses contendo restos esqueletais muito robustos e duráveis tendem a apresentar baixa resolução espacial. Em contraste, os restos de organismos com partes esqueletais delgadas e frágeis estão menos sujeitos ao transporte ou a permanecerem por prolongados períodos de tempo na interface agua/sedimento. Do mesmo modo, organismo com corpo mole ou mesmo os icnofósseis estão, em geral, preservados in situ, apresentando alta resolução espacial. Obviamente, não apenas a durabilidade irá influenciar, pois o transporte das partículas bioclásticas dependerá também de outros fatores, tais como a forma, a densidade, o peso da partícula e a energia do meio (competência do agente de transporte), dentre outros. Além disso, o modo de vida e o comportamento dos organismos também têm influência, já que os restos esqueletais de organismos bentônicos, escavadores profundos, estão menos propensos ao transporte do que os de organismos bentônicos de epifauna. Por exemplo, conchas espessas e duráveis de braquiópodes rhychonelliformes, tais como as verificadas na espécie Bouchardia rosen são acumuladas a dezenas de quilômetros do seu hábitat original (Simões et alii, 2007), mas conchas frágeis e delgadas de braquiópodes lingulídeos dificilmente são encontradas a muitos quilômetros do local de vida ou de morte desses invertebrados (Kowalewski, 1996). Esse exemplo é interessante, pois ilustra como os fatores intrínsecos (e. g. espessura e durabilidade das conchas) podem influenciar a mistura espacial dos restos esqueléticos, de elementos de um mesmo grupo taxonômico (Brachiopoda), vivendo em um mesmo. ambiente sedimentar (marinho raso).

Finalmente, com o intuito de consolidar os conceitos apresentados até aqui, em especial os relativos à qualidade do registro fóssil é conveniente tentar responder ao seguinte questionamento: Quem, por exemplo, possui melhor registro fóssil, os moluscos providos de partes biomineralizadas (e. g. conchas) ou os órgãos vegetais frágeis, tais como, as flores? Essa questão é instigante e deve remeter o leitor a raciocinar sobre os possíveis fatores intrínsecos (relativos aos fósseis) e extrínsecos (relativos aos ambientes sedimentares) que estão envolvidos na formação do registro fóssil. A resposta rápida e intuitiva parece favorecer aos moluscos, pois esses organismos possuem conchas calcárias, as quais são resistentes e passíveis de melhor preservação. Já os restos vegetais, em especial as flores, são estruturas frágeis e delicadas, sendo destruídas rapidamente no ciclo exógeno. De fato, os órgãos vegetais têm, em geral, baixo potencial de preservação (exceto troncos, pólens e esporos) (Greenwood, 1991; Kowalewski, 1997), especialmente se comparados aos elementos que compõem os esqueletos dos vertebrados e invertebrados conchíferos. Porém, a resposta não é assim tão simples quanto parece, pois o fato de as conchas calcárias serem robustas e mais duráveis, na interface água/sedimento, aumenta as chances de mistura temporal e espacial dessas partículas. Consequentemente, embora mais completo, o registro fóssil dos moluscos tende a apresentar grande mistura temporal e espacial. Já a preservação de órgãos frágeis, como as flores, implica em condições ambientais muito específicas, envolvendo o rápido soterramento, com pouca ou nenhuma exposição na interface água/sedimento. Portanto, embora sejam raros os depósitos que contêm esses fósseis, o que toma o seu registro muito incompleto, tais ocorrências possuem elevada resolução espacial e temporal (Kowalewski, 1997) (figura 3.5), possuindo, portanto, melhor qualidade do registro.

 Para concluir, a seguir são listadas algumas generalizações importantes, referentes à natureza do registro fóssil:

a) organismos providos de partes duras biomineralizadas têm maior potencial de preservação;

b) preservação dos restos orgânicos é favorecida por rápido soterramento, especialmente por sedimentos finos (pouca turbulência), na ausência de organismos decompositores;

c) perda de informação por processos tafonômicos, no ambiente marinho raso, resulta, tipicamente, da fragmentação, dissolução e bioerosão;

d) perda de informação por processos tafonômicos, no ambiente continental, terrestre e fluvial, resulta, caracteristicamente, do transporte, desarticulação, retrabalhamento e quebra (fratura), por agentes hidráulicos (água) e biológicos (predação, camivoria, pisoteio);

e) organismos com distribuição vertical (temporal) e horizontal (geográfica) restrita tem menor probabilidade de preservação.

O Processo de Fossilização: da Biosfera à Litosfera

 O entendimento dos processos que levam à preservação dos elementos das antigas biotas é melhor visualizado através dos diversos estágios que conduzem à fossilização. Esses estágios estão representados nas figuras 3.2 e 3.3. A assembleia contendo os elementos vivos é denominada de biocenose (Bio-vida, cenon-comunidade; assembleia de vida) e os seus elementos mortos irão compor a tanatocenose (Tanato = morte, ceno comunidade; assembleia de morte). Vários processos tafonômicos (descritos mais adiante) irão agir para formar a tafocenose (Tapho - sepultamento, ceno comunidade; assembleia de restos soterrados) e, finalmente, a orictocenose (Oricto fóssil, ceno comunidade; assembleia fóssil que o paleontólogo encontra no jazigo fossilífero). O processo de fossilização tem início com os processos necrológicos, envolvendo a morte e a decomposição (necrólise) dos organismos, seguindo OS processos bioestratinômicos, incluindo, por exemplo, a desarticulação, o transporte/retrabalhamento dos restos esqueletais e o soterramento final. Por último, atuam os processos diagenéticos (fossildiagênese). Em geral, predominam na fase bioestratinômica da preservação os processos biológicos e fisicos (e. g. fragmentação) e, em menor grau, os químicos. Após o soterramento, têm início os processos físico-químicos relativos a diagênese. Finalmente, nessa fase estão incluídas também as alterações produzidas pelos processos tectônicos que soerguem os estratos rochosos, expondo-os à superficie terrestre (figura 3.1).

Registros das rochas e escala do tempo geológico



Histórico:




Como os geólogos sabem a idade de uma rocha e se ela é mais antiga do que outra?

 Os geólogos determinam a ordem de formação das rochas ao estudar sua estratigrafia, fósseis e disposição espacial no campo. Uma sequência de rochas sedimentares não deformada será horizontal, com cada camada sendo mais nova que aquela que está sotoposta e mais antiga que a camada sobreposta. Além disso, como os animais e as plantas evoluíram progressivamente ao longo do tempo, seus fósseis registram as mudanças numa sucessão conhecida na sequência estratigráfica. Sabendo-se a sucessão faunística, torna-se mais fácil para os geólogos localizar camadas sedimentares erodidas, gerando uma discordância. Mais importante ainda, os fósseis possibilitam a correlação de rochas localizadas em várias partes do mundo.

Como os geólogos criaram uma escala do tempo geológico aplicável em qualquer lugar do mundo? 

 Utilizando-se os fósseis para correlacionar as rochas de mesma idade e reunindo as sequências expostas em centenas de milhares de afloramentos  mundo afora, os geólogos compilaram uma sequência estratigráfica aplicável em qualquer região da Terra. A sequência composta representa a escala do tempo geológico. O uso da datação isotópica permitiu aos cientistas atribuírem idades absolutas para as unidades da escala do tempo. A datação isotópica é baseada no comportamento dos elementos radioativos, quando os átomos-pais instáveis são transformados em isótopos-filhos a uma taxa constante. Quando os elementos radioativos são aprisionados dentro de um mineral durante a formação da rocha, o número de isótopos-filhos aumenta, enquanto o de isótopos-pais diminui. Ao medir-se a quantidade de pais e filhos, podemos calcular a idade absoluta.

Por que a escala de tempo geológico é importante para os geólogos?

 A escala do tempo geológico permite aos geólogos reconstruir a cronologia dos eventos que moldaram o planeta. A escala do tempo tem sido utilizada na validação e estudo da tectônica de placas e na estimativa de taxas de processos muito lentos para serem monitorados diretamente, tais como a abertura de um oceano durante milhões e centenas de milhões de anos. O desenvolvimento da escala do tempo geológico revelou que a Terra é muito mais antiga do que os geólogos e outros cientistas pioneiros imaginavam e que ela sofreu contínuas mudanças ao longo de sua história. A criação da escala do tempo geológico, ao lado do desenvolvimento da Paleontologia e da teoria da evolução, é uma das mais revolucionárias e impressionantes ideias científicas.

Crises e extinções em massa

A ideia de que uma espécie inteira de criaturas pudesse desaparecer para sempre não era aceita pela maioria das pessoas até meados do século XVIIL Naquela época, o achado de fósseis que não podiam ser atribuidos a nenhuma forma vivente era "explicado" como sendo pertencente a organismos que vi- viam em lugares remotos da Terra, e que cedo ou tarde seriam encontrados. Esta concepção tem muito a ver com o relato bíblico de uma criação de espécies jú "prontas" e simultâneas. Na visão criacionista da época, todas as espécies foram criadas por Deus na aurora do mundo e permaneceriam até hoje como sempre foram: sem mudanças (logo, não haveria evolução e nem extinção). Entretanto, fósseis "inexplicáveis" continuavam se avolumando, enquanto os locais mais recônditos da Terra iam sendo explorados e não revelavam a presença de nenhuma destas criaturas ainda vivas.

 Em 1798, finalmente, Georges Cuvier, com sua autoridade de naturalista mundialmente conhecido, após definir que os elefantes da África e da Índia pertenciam a espécies distintas, demonstrou que os mamutes fósseis da Europa e da Sibéria eram diferentes de qualquer uma das espécies viventes de elefantes (Smith, 1993). Além disso, seriam animais tão grandes que era impossível que pudessem ainda estar vivos em algum lugar sem serem percebidos pelo olhar humano. Assim sendo, tinham de estar extintos. Ironicamente, Cuvier não acreditava na evolução das espécies, mas ao demonstrar que as extinções eram possíveis, abriu um importante caminho para o fortalecimento da teoria evolucionista.

Os Diferentes Tipos de Extinções

 Mas que tipos de fenômenos podem fazer com que uma espécie desapareça totalmente? Sabemos que muitos animais e plantas já foram extintos ou estão correndo este risco em virtude da atitude predatória do Homem frente à natureza. Mas e antes do Homo sapiens? Como explicar a extinção conjunta de predadores e presas? Por que algumas espécies se extinguem e outras não? Por que algumas extinções afetam às vezes poucas espécies (ou mesmo uma única) e outras podem exterminar mais da metade da vida do Planeta?

 Esta última questão tem sido, historicamente, uma das mais discutidas, sendo que duas diferentes escalas de abordagem são normalmente utilizadas.

Extinções de Menor Escala

A. Pseudoextinção ou Extinção Filética

 A relação entre Extinção e Evolução, há pouco citada, para muitos não visível num primeiro momento, é extremamente importante, pois uma das causas de Extinção é justamente a Evolução! Senão vejamos: um dos pressupostos evolucionistas é justamente o fato de que as espécies não são estáticas e imutáveis ao longo do tempo. Ao contrário, como demonstrou Charles Darwin, as interações bióticas e abióticas das espécies de organismos com o meio que os cerca geram pressões seletivas que levam estes organismos à adaptação, ocasionando, assim, mudanças morfológicas através das gerações.

 A consequência disso é que, paulatinamente, um indivíduo de uma determinada espécie pode chegar a se tornar tão diferente daqueles de outras gerações passa- das que, se ambos pudessem ser colocados lado a lado, seria difícil considerar que ainda pertencessem à mesma espécie.

 Este tipo de processo, em que os descendentes de uma população original se modificam ao ponto de serem considerados como uma nova espécie, enquanto a espécie original passa a ser considerada extinta, é chamado extinção filética ou pseudoextinção.

 Já é difícil imaginar, mesmo num exemplo teórico, qual seria o ponto exato em que teríamos esta mudança de uma espécie para outra. Imagine então a tarefa de um paleontólogo, que dispõe apenas de uns poucos fósseis representando, cada um deles, apenas uma entre as milhares de gerações envolvidas neste processo de mudança. Assim sendo, este ponto de extinção de uma espécie e surgimento de outra é totalmente arbitrário, pois baseia-se apenas nas eventuais diferenças morfológicas encontradas nas partes que foram preservadas dos espécimes fósseis. Em outras palavras, uma grande parte da informação sobre os organismos originais se perde de qualquer maneira, pois apenas uma fração dos mesmos se preserva.

 Com base neste processo contínuo de mudança, costuma-se estimar que as espécies tendem a durar, em média, entre um e dois milhões de anos, tempo após o qual os indivíduos já estariam tão diferentes da forma original que passariam a ser um novo táxon. Entretanto, segundo Kemp (1999), estes números valem apenas para espécies com altas taxas de evolução, em épocas de substituição (turnover) de espécies (p. e: mamíferos, aves, trilobitas, amonitas). O intervalo estimado em taxas "normais variaria entre 3 e 15 milhões de anos, chegando ao extremo de 20 Ma em foraminíferos e diatomáceas.

B. Extinções Decorrentes das Interações Entre os Organismos Vivos

 Existem várias situações teóricas em que a simples interação entre os organismos, no dia a dia e ao longo dos séculos e milênios, poderia levar à extinção de uma ou mais espécies, sem que estas deixem descendentes. Estes tipos de extinção são denominados "de fundo" (background extinctions), na comparação com os casos excepcionais das grandes extinções (ou "extinções em massa") que veremos adiante.

 Um exemplo de extinção de fundo seria o surgimento de algum predador particularmente eficiente e que não dependesse fundamentalmente de uma determinada presa para se alimentar (condição que tenderia a estabelecer um equilíbrio entre as populações de predador e presa, ou levaria à extinção de ambos). Dentre as várias opções de presas, ele poderia eliminar totalmente uma delas. Este tipo de extinção pode ser bem exemplificado pela ação do Homo sapiens desde o seu surgimento, tendo levado (e continuando a levar) inúmeras espécies à extinção.

 Outro modelo seria o surgimento de uma espécie mais eficiente que passasse a competir com outra por um mesmo nicho. Isto ocorre, por exemplo, quando duas áreas isoladas desenvolvem, ao longo do tempo, suas respectivas cadeias alimentares, com espécies totalmente diferentes e, num dado momento, esse isolamento é quebrado e passa a existir a interação entre ambas. Isto aconteceu, de fato, por várias vezes ao longo da história, devido à deriva dos continentes, e também em escalas menores, dentro de um mesmo continente ou no fundo dos oceanos. No leito dos oceanos, esta situação pode ocorrer pela aproximação de duas placas continentais, cada uma com sua respectiva biota, ou por mudanças na circulação das correntes marinhas. Já no contexto terrestre, um exemplo clássico é o momento da união entre as Américas do Sul e do Norte, através da "ponte" formada pela recém-emersa América Central, ao final do Plioceno (5,3 a 1,6 Ma atrás). A interação de faunas e floras que se segue, em casos como estes, não envolve apenas a competição direta por território e alimento entre espécies similares dos dois lados, mas também tem um importante componente invisível, representado pela guerra microscópica entre os diferentes tipos de pragas, parasitas e/ou microrganismos transmissores de doenças trazidos de ambas as regiões.

 Quando existe uma relação direta entre uma espécie e um tipo particular de fonte alimentar, a extinção desta última pode levar à extinção da primeira, às vezes numa reação em cadeia, começando numa planta, passando por um herbívoro e terminando num carnívoro. Da mesma forma, espécies que mantêm entre si relações ecológicas muito estreitas (mutualismo, parasitismo, comensalismo) podem se extinguir juntas se uma delas for de algum modo levada ao desaparecimento.

 Graham (1986) discute as extinções do final do Pleistoceno (1,6 a 0,01 Ma atrás), envolvendo, entre outras, a fauna de mamíferos gigantes então existente. Segundo ele, vários autores atribuem este evento de extinção à predação intensa efetuada pelos humanos paleolíticos. Para Graham (1986), no entanto, a extinção ocorreu em decorrência de mudanças climáticas (estágios glaciais/interglaciais) que desencadearam a necessidade de uma "reorganização biótica". A destruição de alguns habitats, decorrente do avanço do frio, forçou uma mistura de biotas austrais e boreais nas áreas mais quentes, enquanto as mudanças na vegetação (florestas dando lugar a savanas ou vice-versa), dependendo das latitudes e das flutuações climáticas, tiveram impacto direto sobre a cadeia alimentar animal, especialmente entre os consumidores primários. Herbívoros que viviam em habitats separados passaram a ocupar - e competir - pelo mesmo espaço e pelas mesmas plantas, trazendo atrás deles os carnívoros, e este desequilíbrio gerou uma crise entre a biota, levando várias espécies à extinção.

Patógenos: as leis dos pequenos conquistadores

 Vários pesquisadores, como Ferigolo (1999), propõem que o episódio da extinção da megafauna sul- americana e outros deveriam ser examinados sob uma perspectiva diferente. Os verdadeiros vilões não seriam nem grandes nem espetaculares, mas criaturas microscópicas cujo potencial mortífero, porém, pode ser tão grande quanto a queda de um meteoro ou um terremoto: os patógenos.

 Em suas conclusões, aquele autor lista uma série de assertivas, vinculando, para os vertebrados, infecções e evolução:

- sempre que uma extinção de espécies nativas ocorrer após a chegada de imigrantes, deve-se considerar a hipótese de introdução de patógenos;

- o principal aspecto referente à adaptação de um animal a um determinado ambiente é o desenvolvimento de imunidade contra patógenos, especialmente àqueles introduzidos;

- o principal fator controlador do tamanho das populações de animais são os parasitas, especialmente os patógenos;

- os imigrantes sempre mudam os habitats das áreas para onde se deslocam, através da introdução de seus próprios patógenos, para seu próprio benefício;

- a seleção prévia (e aquisição de imunidade) contra patógenos já existentes e a introdução de novos patógenos são as principais "armas" que os imigrantes têm à disposição para conquistar novas terras;

- o sucesso de qualquer grupo de animais depende de sua capacidade de gerar diversidade genotípica para responder às restrições ambientais, principalmente em resposta aos patógenos;

- animais de grande porte e com longo ciclo de desenvolvimento ontogenético são mais suscetíveis a serem extintos, devido à sua especialização e baixa diversidade genotípica.

 Em resumo: devido à sua importância, no que tange à preservação/evolução de diversidade genotípica/ sexual, bem como seu papel na dizimação/extinção, os patógenos não podem ser desconsiderados em qualquer pesquisa incluindo a evolução dos vertebrados.

C. Extinções em Larga Escala ou Extinções em Massa

 Todos os tipos de extinção até agora citados são considerados "normais" e/ou "de fundo" dentro do processo de interação entre os organismos e o planeta como um todo. Em alguns momentos da história da Terra, entretanto, surgiram situações em que uma significativa porção de tudo o que era vivo no planeta foi totalmente eliminada. Estes episódios são chamados de extinções em massa, sendo o mais famoso deles aquele que envolve o fim dos dinossauros, no limite Cretáceo-Terciário, embora o de mais larga escala tenha sido o que marca o limite Permiano-Triássico.

 Não existe um percentual definido que determine quando uma extinção é considerada "em massa", mas os episódios mais citados costumam apresentar valores mínimos entre dez e vinte por cento de todas as espécies de uma comunidade. Na extinção do final do Permiano, рог exemplo, houve o desaparecimento de mais de 75% das espécies. Do Cambriano até o presente, foram evidencia- dos pelo registro fóssil pelo menos sete picos de extinções em massa em que foi ultrapassada a marca de 40% de extinção de gêneros marinhos (figura 10.1).

O estudo das extinções em massa tem atraído uma maior atenção dos pesquisadores nas últimas déca- das, mas ainda são poucos os episódios desse tipo que estão razoavelmente bem explicados. Seja como for, parece claro que eles não foram determinados por uma única causa, e o rol dos agentes potenciais que podem, sozinhos ou combinados, ter sido os responsáveis por estas extinções, começa com causas terrestres de gran- de escala (deriva continental, tectonica, vulcanismo) e chega aos componentes extraterrestres (p. ex. impacto de meteoros e radiações cósmicas).

O modelo apresentado na figura 10.2 mostra as possíveis interações entre vários fatores potenciais de extinção. Mais que um exemplo hipotético, ele representa o que se supõe que tenha ocorrido na maior de todas as extinções até hoje conhecida (e por isso mesmo uma das mais estudadas), aquela que delimita as eras Paleozoica e Mesozoica.



 A aproximação de todas as massas continentais para formar um único supercontinente, a Pangea, teria sido o estopim que acionou vários outros mecanismos potencialmente causadores de extinção. Os resultados dessa fusão sobre o clima, a circulação oceânica e a biosfera como um todo teriam sido enormes. Primeiramente, todas as áreas de margens continentais entre as placas teriam sido destruídas, acabando com a vida marinha ali existente. Também ter-se-ia cessado o espalhamento do assoalho oceânico nas cadeias mesoceânicas, levando ao colapso e ao "afundamento" das mesmas. Sem o volume representado por estas imensas cadeias de montanhas, o espaço anteriormente ocupado por elas foi preenchido pela água dos oceanos, causando uma enorme regressão nas margens continentais ainda existentes (nos limites externos da Pangea). A redução de área das margens continentais limitaria a capacidade destas de suportarem uma biota marinha diversificada. Além disso, a exposição das margens continentais traria à superfície sedimentos depositados anteriormente em ambientes redutores, resultando numa intensa oxidação da matéria orgânica ali presente (tirando O₂ da atmosfera e sufocando os organismos vivos).

 Somemos a isto o aumento do vulcanismo que ocorreu sobre os continentes (jogando gases, especial- mente o CO₂, diretamente na atmosfera), e teríamos um aquecimento da atmosfera, pelo aumento do efeito estufa. Como se não bastasse, a formação de uma única e gigantesca massa continental teria gerado uma mudança nos padrões de circulação marinha e atmosférica. As distâncias entre as bordas do continente e o centro seriam tão grandes que a umidade trazida dos oceanos pelos ventos não conseguiria chegar ao interior. Esta combinação de efeitos, somada ao aquecimento global anteriormente citado, faria com que houvesse uma enorme desertificação em toda a Pangea (de fato identificada pela deposição de espessos pacotes eólicos em quase todas as bacias desta época).

 Em resumo, esta combinação de fatores tectónicos e climáticos teria afetado drasticamente tan- to a flora quanto a fauna existentes, levando à extinção uma significativa parcela dos taxa então existentes.

O efeito estufa e a vida na Terra

 Diariamente somos bombardeados com alertas de que o Homem está poluindo de tal maneira a atmosfera que o aumento do gás carbônico resultará num "efeito estufa" que causará um aumento da temperatura do planeta, degelo das calotas polares e perturbação das condições atmosféricas. Entretanto, na composição da atmosfera terrestre, o gás carbônico (CO₂) representa menos de 0,5%, o que parece indicar, à primeira vista, que a sua imagem de grande vilão da história é improcedente. Entretanto, o CO₂ possui um alto potencial de absorção de calor, e é essa propriedade que o faz um elemento importante para o equilíbrio do efeito estufa. As partículas em suspensão, tanto sólidas quanto líquidas, na atmosfera da Terra, são chamadas de aerossóis. 

 Os aerossóis e os gases interferem na taxa de incidência da luz solar sobre a superfície da Terra (figura 10.3), uma vez que absorvem, refletem ou desviam boa parte dos raios solares. Por causa deles, menos da metade da radiação solar consegue chegar à superfície. Além disso, a Terra também produz o seu próprio calor, parte do qual também é absorvido pela atmosfera e outro tanto é liberado para o espaço. Assim, a temperatura, na superfície da Terra, resulta da combinação da quantidade de calor absorvida a partir do Sol com aquela provinda do interior do planeta. Como boa parte deste calor fica "presa" e circulando pelas camadas mais baixas da atmosfera, justamente onde se concentra a vida, esta região tem uma temperatura bem mais alta do que deveria. Sem o efeito estufa, a superfície da Terra seria totalmente gelada e praticamente sem vida. Logo, o problema não está na existência do efeito-estufa, e sim na sua variação ao longo do tempo, que pode resultar num aquecimento ou resfriamento de todo o planeta, cujos efeitos podem contribuir para causar extinções.

 As variações do efeito estufa podem ter várias causas, incluindo desde fatores bióticos (desequilíbrios na proporção entre animais e vegetais), passando pelos geológicos (variações climáticas cíclicas no planeta, tectônica, taxas de erosão c sedimentação, vulcanismo) até causas extraterrestres (impacto de meteoros).

 Entretanto, uma questão sempre vem à tona quando se imagina a conjugação destes vários fatores para formar um cenário de destruição para os seres vi- vos: Mas a formação da Pangea levou milhões de anos para acontecer, e nem todas as placas se chocaram simultaneamente. Assim, mesmo admitindo que todas as causas acima efeti- vamente atuaram durante a formação do supercontinente, nem todas as extinções teriam ocorrido ao mesmo tempo. Mas, então, as extinções em massa não seriam eventos catastróficos e sim graduais?

 Esta discussão coloca em cena um importante conceito denominado taxa de extinção, isto é, a quantidade de extinções por unidade de tempo. Até algumas décadas atrás, os autores consideravam as mudanças de diversidade numa escala de períodos geológicos (isto é, as extinções verificadas ao longo de todo o Cambriano, do Jurássico e outras). Uma vez que cada período dura dezenas de milhões de anos, o dado geral era muito pouco informativo quanto a esta taxa. Isto se devia ao fato de que uma abordagem com maior resolução dependeria de uma análise estratigráfica de maior precisão, principalmente quando envolvesse correlações intercontinentais, e isto só foi alcançado em anos mais recentes (Erwin, 1993).

 No caso da extinção permiana, os dados mais recentes indicam que a grande maioria das extinções ocorreu num espaço de tempo relativamente curto (entre 3 e 8 milhões de anos), coincidindo com o último pulso de regressão, apesar de não haver dúvida de que os processos geológicos arrolados como os causadores das mesmas já vinham atuando há muito tempo. Assim, apesar da mudança gradual das condições ambientais, parece que, num determinado momento, foi atingido um ponto crítico que desencadeou uma reação em cadeia de extinções, tanto em terra quanto no mar.

 Mas, mesmo com a confirmação de que houve uma extinção em massa no final do Permiano, continua sendo verdade que a Pangea não se formou de um momento para outro. Então, será que os dois fatores não estão diretamente relacionados? Qual (ou quais) das causas citadas foram realmente as responsáveis por esta extinção (e por outras na história do planeta)?

 Observando a figura 10.2, torna-se evidente a complexidade da tarefa de avaliar a influência individual de cada um dos fatores envolvidos (cada um deles um causador potencial de extinção) ou uma eventual combinação de alguns deles (ou de todos ao mesmo tempo!). Desse modo, é impossível definir com certeza qual foi a composição de fatores que levou ao ponto crítico que desencadeou a extinção em massa do final do Permiano. Mesmo que fosse possível, esta informação valeria apenas para este caso específico, porque em cada uma das outras grandes extinções os cenários (a começar pela configuração dos continentes) foram diferentes.

Referência

Carvalho, Ismar de Souza. Paleontologia: conceitos e métodos. 1. ed. Rio de Janeiro: Interciência, 2010. E-book. Disponível em: <https://plataforma.bvirtual.com.br>. Acesso em: 28 abr. 2024.

Press, Frank et al. Para entender a Terra. 4. ed.-. Porto Alegre: Bookman, 2006.

Processos de Fossilização. In: Seção de Materiais Didáticos do IGc-USP. Disponível em: <https://didatico.igc.usp.br/fosseis/processos-de-fossilizacao/>. Acesso em: 28 abr. 2024.

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