domingo, 24 de setembro de 2023

Introdução à biologia molecular

  Olá pessoal, hoje eu trago tópicos iniciais de biologia molecular.

 A biologia molecular, nascida da junção da genética, com a bioinformática e bioquímica, estuda estrutura e função de macromoléculas como o DNA, o RNA e as proteínas. Nos procariotos, o DNA é circular (nucleoide e plasmídeos) e nos eucariotos, no núcleo das células, há o DNA associada à proteínas formando fibras de cromatina que constituem os cromossomos.


Nucleosídeos e nucleotídeos

  Nucleosídeos são compostos por uma base nitrogenada ligada a uma desoxirribose ou ribose, açúcares de cinco carbonos (pentose). 

 Nucleotídeos são compostos uma desoxirribose ou ribose, açúcares de cinco carbonos (pentose), aos quais estão ligados um ou mais grupos fosfatos, e uma base nitrogenada. Os nucleotídeos podem possuir um, dois ou três grupos fosfatos. Vale destacar que há autores que utilizam o termo ''nucleotídeo'' para se referir a apenas nucleosídeos monofosfatados (com um único grupo fosfato), que são o tipo presente nos ácidos nucleicos.

 As bases nitrogenadas são compostos aromáticos heterocíclicos e podem ser púricas, com dois anéis, ou pirimídicas, com um anel. No DNA, ocorrem adenina, timina, citosina e guanina; no RNA, ocorrem adenina, uracila, citosina e guanina.

  • Púricas: adenina (A), guanina (G);
  • Pirimídicas: citosina (C), uracila (U), timina (T). Note que timina diferencia-se da uracila somente por um grupo metila.


 As desoxirriboses são derivadas de uma ribose que sofre a substituição do grupo hidroxila na posição 2 por hidrogênio, resultando na perda de um átomo de oxigênio. As riboses ocorrem no RNA e as desoxirriboses ocorrem no DNA.

  Os nucleotídeos não constituem apenas ácidos nucleicos, podem ser, por exemplo, cofatores de reações. Além disso, nucleotídeos com três grupos fosfatos como o ATP têm função primordial energética.

 Aqui está uma lista dos principais nucleosídeos e nucleotídeos, lembrando que existem outros.

  • Ribonucleosídeos: base nitrogenada + ribose (pentose).
- Adenosina;
- Guanosina;
- Citidina;
- Uridina.
  • Desoxirribonucleosídeos: base nitrogenada + desoxirribose (pentose).
- Desoxiadenosina;
- Desoxiguanosina;
- Desoxicitidina;
- Desoxiuridina;
- Desoxitimidina/timidina.

Note que embora não haja uracila como base nitrogenada do DNA, o composto desoxiuridina existe.
  • Ribonucleotídeos: ocorrem no RNA; grupos fosfatos (mono,di ou trifosfatado) + ribose (pentose) + base nitrogenada.
- AMP, ADP e ATP => ATP (adenosina trifosfato) é a principal molécula energética dos organismos (''moeda energética'');
- GMP, GDP e GTP;
- CMP, CDP e CTP;
- UMP, UDP e UTP.
  • Desoxirribonucleotídeos: ocorrem no DNA; grupos fosfatos (mono, di ou trifosfatado) + desoxirribose (pentose) + base nitrogenada.
- dAMP, dADP e dATP;
- dGMP, dGDP e dGTP;
- dTMP, dTDP e dTTP;
- dCMP, dCDP e dCTP.

Resumo:

Nucleotídeos com um único grupo fosfato presentes nos ácidos nucleicos

RNA: ácido ribonucleico

 É um biopolímero composto por quatro tipos de nucleotídeos (monômeros), ligados covalentemente, formando uma cadeia polinucleotídica (uma fita de RNA), com uma cadeia principal de açúcar-fosfato (o açúcar aqui é a ribose) a partir do qual as bases (A, C, G e U) se estendem. Diferentemente do DNA, o RNA caracteriza-se por ser uma fita simples.

 Há quatro tipos básicos de RNA, alguns outros tipos estão evidenciados na tabela:

  • RNA mensageiro (RNAm): intermediário entre um gene (DNA) codificador de proteína e seu produto proteico; carrega a informação genética do DNA;
  • RNA transportador (RNAt): agem como carregadores - trazendo aminoácidos ao ribossomo, assegurando que o aminoácido adicionado à cadeia polipeptídica é o especificado pelo RNAm;
  • RNA ribossômico (RNAr): conjuntamente a certas proteínas, constituem a estrutura dos ribossomos;
  • microRNA (miRNA): regulam a expressão gênica através da degradação ou repressão da tradução de moléculas-alvo de RNAm; silenciadores.

DNA: ácido desoxirribonucleico 

 É um biopolímero composto por quatro tipos de nucleotídeos (monômeros), ligados covalentemente, formando uma cadeia polinucleotídica (uma fita de DNA), com uma cadeia principal de açúcar-fosfato (o açúcar aqui é a desoxirribose) a partir do qual as bases (A, C, G e T) se estendem. Uma molécula de DNA é composta por duas fitas de DNA antiparalelas (orientações opostas) unidas por ligações de hidrogênio entre as bases pareadas. As setas nas extremidades das cadeias de DNA indicam a orientação das duas fitas. No diagrama na parte de baixo e à esquerda da figura, o DNA está mostrado de forma plana; na realidade, ele é torcido formando uma dupla-hélice, como mostrado à direita.

 Há dupla ligação de hidrogênio entre A e T, mas tripla ligação de hidrogênio entre C e G. Dessa forma, a ligação entre C e G é mais resistente e estável. Flutuações térmicas e extremos de pH são exemplos de processos que podem romper as ligações de hidrogênio.


 A direcionalidade ou polaridade do DNA refere-se à orientação relativa à extremidades 5' e à extremidade 3'. Na extremidade 5', ou início, da cadeia, o grupo fosfato 5' do primeiro nucleotídeo da cadeia se sobressai. Na outra extremidade, chamada de extremidade 3', a hidroxila 3' do último nucleotídeo adicionado à cadeia é exposta.

 Quando nucleotídeos são adicionados a uma fita de DNA ou RNA, a fita cresce em seu final 3', com o fosfato 5' de um nucleotídeo que entra se ligando ao grupo hidroxila no final 3' da cadeia. Isso faz uma cadeia com cada açúcar unido a seus vizinhos por uma série de ligações chamadas de ligação fosfodiéster.


 Uma consequência da estrutura do DNA e do pareamento de bases é que cada fita de uma molécula de DNA contém uma sequência de nucleotídeos que é exatamente complementar à sequência de nucleotídeos da outra fita. Como cada fita de DNA contém uma sequência de nucleotídeos que é exatamente complementar à sequência de nucleotídeos da fita associada, cada fita pode atuar como um molde para a síntese de uma nova fita complementar. 

Propriedades do DNA

  •  Em temperaturas próximas à ebulição ou em pH extremos, as duas fitas podem ser separadas, ou seja, desnaturadas. A desnaturação é reversível e o DNA é capaz de renaturação de forma perfeita, quando as condições originais são resgatadas;
  • Nucleotídeos, RNAs e DNAs absorvem comprimentos de onda em 260 nm;
  • Ácidos nucleicos possuem carga negativa, sendo assim são atraídos pelas cargas positivas (princípio fundamental da eletrostática) => base para a técnica de eletroforese.
Classes de DNA
  • DNA singular ou cópia única: a maior parte do genoma, apenas uma pequena proporção codifica proteínas; a maior parte do DNA de cópia única encontra-se em extensões curtas, entremeadas com diversas famílias de DNA repetitivo;
  • DNA repetitivo disperso: sequências relacionadas que se espalham por todo o genoma em vez de ficarem localizadas;
  • DNA satélite: envolve sequências repetidas (em tandem) agrupadas em um ou em alguns locais, intercaladas com sequências de cópia única ao longo do cromossomo; centrômeros.

Dogma central da biologia molecular

 A informação genética contida no DNA de um organismo contém as instruções para todas as moléculas de RNA e proteínas que o organismo irá sintetizar, compondo o genoma do organismo. Nos eucariotos, o DNA está localizado no núcleo celular, um grande compartimento delimitado por membrana.

 O DNA genômico não controla a síntese de proteínas diretamente, mas utiliza o RNA como intermediário. Quando a célula requer uma proteína específica, a sequência de nucleotídeos da região apropriada de uma molécula de DNA extremamente longa em um cromossomo é inicialmente copiada sob a forma de RNA (através de um processo denominado transcrição). São essas cópias de RNA de segmentos de DNA que são utilizadas diretamente como moldes para promover a síntese da proteína (em um processo denominado tradução). O fluxo da informação genética nas células é, portanto, de DNA para RNA e deste para proteína. Todas as células, desde a bactéria até os seres humanos, expressam sua informação genética dessa maneira – um princípio tão fundamental que é denominado dogma central da biologia molecular. 

 O DNA também pode se replicar/duplicar, a duplicação da informação genética ocorre através da enzima DNA polimerase pelo uso de uma das fitas de DNA como um molde para a formação de uma fita complementar. 


 Embora esse seja o dogma central, ele pode apresentar variações, por exemplo, a enzima transcriptase reversa encontrada em retrovírus como o HIV é uma forma especial de polimerase que utiliza um molde de RNA para produzir uma fita de DNA - ela realiza o caminho inverso. 

Replicação do DNA

  Em um evento de replicação, cada uma das duas fitas de DNA é usada como molde para a formação de uma fita complementar. As fitas originais permanecem intactas por várias gerações celulares.


 A replicação do DNA ocorre em uma estrutura em forma de Y, chamada de forquilha de replicação. Uma enzima DNA-polimerase autocorretiva catalisa a polimerização de nucleotídeos na direção 5'-3', copiando uma fita-molde de DNA com extraordinária fidelidade. Como as duas fitas da dupla-hélice de DNA são antiparalelas, essa síntese de DNA 5'-3' só pode ser realizada continuamente em uma das fitas da forquilha de replicação (fita-líder). Na fita retardada, pequenos fragmentos de DNA (fragmentos de Okazaki) são sintetizados de trás para frente. Uma vez que a DNA-polimerase autocorretiva não pode iniciar uma nova cadeia, esses fragmentos da fita retardada são iniciados por pequenas moléculas de RNA, que subsequentemente são removidas e substituídas por DNA. 

 A replicação do DNA necessita da cooperação de várias proteínas, incluindo (1) a DNA-polimerase e a DNA-primase, que catalisam a polimerização dos nucleosídeos trifosfato; (2) as DNA-helicases e as proteínas ligadoras de DNA de fita simples (SSB), que auxiliam na abertura da dupla-hélice para permitir que as fitas sejam copiadas; (3) a DNA-ligase e uma enzima que degrada os iniciadores de RNA, para ligar os fragmentos descontínuos de DNA formados na fita retardada, e (4) as DNA-topoisomerases, que aliviam a tensão causada pelo enrolamento helicoidal e os problemas de emaranhamento do DNA. Muitas dessas proteínas associam-se entre si na forquilha de replicação, formando uma “maquinaria de replicação” altamente eficiente, em que as atividades e os movimentos espaciais dos componentes individuais são coordenados.




 Nas bactérias, duas forquilhas de replicação são formadas em uma única origem de replicação. Essas forquilhas procedem em direções opostas, distanciando-se da origem até que todo o DNA contido em um único cromossomo circular seja replicado. O genoma bacteriano é relativamente pequeno, levando cerca de 30 minutos para ser totalmente duplicado a partir das duas forquilhas. Como os cromossomos eucarióticos são muito maiores, uma estratégia diferente é utilizada para permitir sua replicação em um tempo hábil. 
 
 Como nas bactérias, as forquilhas de replicação nos eucariotos são formadas em pares e criam uma bolha de replicação à medida que se deslocam em direções opostas, distanciando-se do ponto de origem comum, parando apenas quando se encontram cabeça a cabeça (ou quando chegam à extremidade do cromossomo). Dessa forma, várias forquilhas podem operar de forma independente em cada cromossomo, formando duas hélices de DNA filhas completa. A replicação do DNA nos cromossomos bacterianos e eucarióticos é dita bidirecional.

 Um sistema de reparo de pareamento incorreto remove erros de replicação que escapam da maquinaria de replicação. 

PCR: reação em cadeia da polimerase/polymerase chain reaction

 Entendendo o mecanismo de replicação do DNA, pode-se elucidar a técnica de PCR, que visa amplificar uma única cópia ou algumas cópias de um segmento de DNA, ou seja, construir in vitro grandes quantidades de fitas de DNA a partir de um molde. Ela é rotineiramente usada em clonagens de DNA, diagnósticos médicos e análises forenses de DNA e baseia-se no fato de que o DNA pode ser desnaturado e renaturado.

 Aplicações:
  • Amplificação de regiões específicas do DNA alvo;
  • Identificação de mutações;
  • Análise de polimorfismos de DNA;
  • Diagnóstico de doenças genéticas;
  • Diagnóstico pré-natal (com pouco DNA);
  • Diagnóstico de doenças infecciosas;
  • Medicina forense;
  • Estudo de animais e plantas fósseis.
 Possíveis problemas com essa técnica é a contaminação com material estranho, substâncias que inibem a reação ou acréscimo elevado de cloreto de magnésio.

 O processo começa com a extração do DNA ou RNA da amostra, que é posteriormente submetida a ciclos de amplificação térmica. Se o material extraído for RNA, o primeiro passo será converter o RNA em DNA (tecnicamente conhecido como DNA complementar ou cDNA).

 Os ciclos térmicos ocorrem em um aparelho denominado termociclador e consistem em um processo de 3 etapas: 1) desnaturação, 2) alinhamento e 3) extensão, em que se obtém como resultado a duplicação do DNA presente na amostra. Portanto, para cada ciclo (1 Ct), assumindo 100% de eficiência, o dobro de DNA estará presente - o crescimento é exponencial até certo ponto. O objetivo é continuar o processo de amplificação até que DNA suficiente seja detectado para tornar a amostra positiva ou até 30-40 ciclos, dependendo do projeto de teste específico usado.

 O termociclador permite programar de forma contínua e automatizada os vários ciclos de aquecimento e arrefecimento


 Os reagentes da técnica são:
  • Solução tamponante/tampão: reduz mudanças no pH;
  • Água ultrapura: livre de contaminantes;
  • ''Template'': a amostra de DNA que contém a sequência alvo a ser amplificada;
  • Taq polimerase: uma DNA polimerase termoestável, originalmente isolada de uma bactéria de fontes termais resistente ao calor chamada Thermus aquaticus, catalisa a formação das novas fitas de DNA;
  • Cloreto de magnésio (MgCl₂): cofator da enzima Taq polimerase; confere especificidade para a técnica de PCR;
  • Primers: pequenos fragmentos (oligonucleotídeos) de DNA fita simples projetados especificamente para a região de interesse do DNA; dois primers são usados para cada reação de PCR, e eles são projetados de modo que englobem a região de interesse (região que deve ser copiada) durante o anelamento;
  • dNTPs: desoxirribonucleotídeos trifosfato (dATP, dCTP, dGTP, dTTP); servirão como a matéria-prima das novas cadeias de DNA a serem formadas durante a extensão.
 As etapas de cada ciclo são:
  • Desnaturação (~94 °C por 5 min no 1° ciclo e 30 s nos demais): aquece fortemente a reação para separar, ou desnaturar, as fitas de DNA. Isso proporciona um molde de fita simples para a próxima etapa;
  • Anelamento (30 °C-65 °C por 30 s): resfria a reação para que os primers possam se ligar às suas sequências complementares no DNA molde de fita simples;
  • Extensão (~72 °C de 2 a 5 min): eleva a temperatura da reação para que a Taq polimerase estenda os primers, sintetizando novas fitas de DNA (polimerizadas no sentido 5'-3') com a adição dos dNTPs.

 Cinética da PCR:
  • Fase de screening: ciclos iniciais; os primers procuram o ''template'' de DNA com as sequências que lhes são complementares (encontrar a sequência complementar não é tão difícil, pois os primers estão em considerável excesso em relação ao ''template'');
  • Fase intermediária: processo de amplificação está ocorrendo, com primers permitindo o acúmulo exponencial do fragmento de DNA. O paramento do primer com a sequência complementar está facilitada, pois existem várias cópias das sequências-alvo;
  • Fase tardia ou de platô: a amplificação é subótima devido à limitação dos reagentes e à competição dos produtos gerados com primers.
 O crescimento linear (plot semi-log) do número de cópias ocorre até um determinado número de ciclos. A saturação ocorre quando a concentração do produto amplificado atinge ~10¹² moléculas por 100 µL.

 As causas do platô são várias: 
- Perda da atividade da enzima;
- Todas as enzimas disponíveis estão ocupadas com a síntese de DNA;
- Acúmulo de produtos amplificados que tendem a parear entre si;
- Gasto dos reagentes, especialmente inativação da DNA polimerase;
- Acúmulo de pirofosfato (PiPi), resultante das ligações fosfodiéster; 
- Competição com outros produtos que vinham sendo amplificados com eficiência menor, mas também foram se acumulando.

 Assim, os parâmetros mais importantes para a otimização de PCR: temperatura de annealing dos primers, regime de ciclos e composição do tampão.


 Além disso, é interessante utilizar controles na PCR:
  • 1 tubo sem template/DNA;
  • 1 tubo apenas com o primer 1;
  • 1 tubo apenas com o primer 2;
  • Controle positivo, para testar os reagentes, um DNA que funcione bem para essa técnica.
 Boas práticas indispensáveis para a técnica de PCR:
  • Descongelar os tampões e os dNTPs completamente no gelo;
  • Misturar no vórtex ou batendo nos tubos;
  • Centrifugar por 1 seg antes de pipetar;
  • Verificar a calibração dos pipetadores;
  • Verificar o termociclador: a temperatura do bloco em várias poças, a velocidade da variação de temperatura; testar em outro termociclador se necessário;
  • Qualidade dos reagentes utilizados (uso de fornecedores confiáveis);
  • Evitar repetidos congelamentos e descongelamentos dos primers e dos dNTPs; fazer alíquotas;
  • Primers quebrados podem não se anelar ou se anelar inespecificamente.
  • Verificar a qualidade da template: contaminantes de DNA podem inibir facilmente a reação de PCR, amostras de DNA ricas em polissacarídeos ou com cor estranha podem não ser amplificadas;
  • Algumas substâncias inibem a enzima: fenol, proteinase K, agentes quelantes em excesso (EDTA), hemoglobinas e outras proteínas de hemácias, dodecil sulfato de sódio (SDS), elevadas concentrações de sal
 
 Reações mais comuns de PCR:
  • RT-PCR;
  • Multiplex PCR;
  • Nested PCR;
  • Real time PCR;
  • PCR-RFLP;
  • RAPD-PCR.
Eletroforese em gel

 Os resultados da PCR são comumente visualizados na eletroforese em gel. Essa técnica pode ser usada para DNA, RNA e proteínas e baseia-se na migração de espécies eletricamente carregadas, essa migração ocorre quando elas são dissolvidas ou suspensas num eletrólito através do qual uma corrente elétrica é aplicada. Cada tipo de molécula submetida à eletroforese terá uma migração diferente, já que isso depende de seu tamanho, de sua carga e de sua forma.

 A corrente elétrica na eletroforese é produzida através da diferença de potencial que surge entre dois eletrodos, o eletrodo positivo (ânodo), que atrai partículas negativas, e o eletrodo negativo (cátodo), que atrai partículas positivas. Como o DNA é negativo, ele realiza a migração eletroforética sendo atraído pelo ânodo (eletrodo positivo).

 A eletroforese em gel de agarose, um heteropolissacarídeo extraído de algas vermelhas, é comumente utilizada para a separçaão de DNA e RNA. Os géis de agarose são formados dissolvendo a agarose, um pó cristalino, em um tampão por aquecimento. O gel é formado com o resfriamento dessa mistura, formando uma matriz porosa que permite a passagem de macromoléculas. O tamanho do poro do gel é controlado pela concentração da agarose, sendo que poros grandes são formados em baixas concentrações e poros menores são formados em altas concentrações. 


Em uma eletroforese, o gel de agarose fica submerso em uma cuba que contém uma solução tampão, que permite a passagem e fluxo de corrente elétrica. A solução tampão reduz mudanças de pH, no campo elétrico e previne o aquecimento causado pela passagem da corrente elétrica. Na eletroforese, os ácidos nucléicos, DNA e RNA, migram do polo negativo em direção ao polo positivo. Antes da polimerização do gel, um pente é colocado para formar os poços onde serão colocadas as amostras de ácidos nucleicos.

 Fragmentos de DNA de mesmo comprimento formam uma "banda" no gel, que pode ser vista a olho nu se o gel for pigmentado com um corante que se liga ao DNA - o brometo de etídio é um corante mutagênico intercalante de DNA que fluoresce em luz UV e o azul de bromofenol é um corante superficial que permite a visualização durante a corrida eletroforética. 

 Por exemplo, uma reação de PCR produzindo um fragmento de 750 pares de base (pb ou bp) apareceria dessa maneira no gel após a eletroforese (a primeira coluna possui marcadores de pesos moleculares de DNA a fim de comparação), isso só pode ser visualizado se a amplificação realmente produziu grandes quantidades de DNA:

Nested PCR: reação em cadeia da polimerase aninhada

  Às vezes a eletroforese em gel do amplicon (produto do evento de amplificação) da PCR pode apresentar rastros (bandas inespecíficas) em vez de bandas bem definidas, é o que se chama de smears


 O Nested PCR pode ser uma alternativa para melhorar a especificidade e a sensibilidade da PCR, sendo destinada a reduzir os smears advindos da ligação não específica em produtos devido à amplificação de sítios de ligação inesperados do primer. 

 O que irá ocorrer é amplificação de uma sequência interna de um fragmento previamente amplificado. Na nested PCR, não se usa uma amostra primária para fazer a PCR, utiliza-se o produto de uma PCR anterior com um par de primers internos ao par utilizado na primeira reação. Ou seja, é a PCR do produto da PCR.


 Há algumas práticas que também podem ser adotadas para evitar smears:

RT-PCR em tempo real ou PCR quantitativo ou PCR cinético

 Considerada uma variação da técnica convencional de PCR, a PCR em Tempo Real (Real Time Quantitative PCR) permite que a amplificação e detecção ocorram simultaneamente. Durante a amplificação, a quantificação é determinada pela quantidade de produto amplificado durante cada ciclo, através da fluorescência emitida.

 A principal função da PCR em tempo real é para estudos de expressão gênica. Para saber se um gene está mais ou menos expresso que outro é necessário quantificá-lo, como o DNA contém éxons e íntrons, é preciso trabalhar com RNA, fruto dos éxons e o que realmente evidencia a expressão gênica, porém como o RNA é altamente instável utiliza-se a enzima transcriptase reversa (reverse transcriptase) para obter um cDNA (DNA complementar):

  • Genômica funcional: transcriptomas;
  • Identificação de organismos;
  • Quantificação de microrganismos.
 Para o estudo de expressão gênica é necessário realizar comparações, por exemplo:
  • Entre sistemas gênicos: célula ''normal'' vs tumor;
  • Entre tecidos: função gênica específica;
  • Entre diferentes populações (cultura de células): controle vs tratado.
 Eficiência da técnica:
  • Preparo da reação (pipetas calibradas);
  • Qualidade do template (molde);
  • Desenho dos primers, para evitar a formação de primers que se ligam entre si (dimers);
  • Condições de termociclagem;
  • Concentração dos reagentes (MgCl₂);
  • Tamanho do amplicon (5-200 pb).
 Requerimentos específicos da técnica:
  • Equipamento de leitura da amplificação;
  • Química específica de fluorescência na reação;
  • Método matemático de correlação;
  • Uso de soluções-padrão ou genes de referência (housekeeping);
  • Reação em branco: H₂O, no template control (NTC);
  • Diluição serial (10^-1 a 10^-5);
  • Amostras de boa qualidade;
  • Primers: gene de interesse vs gene de referência;
  • Em triplicatas.
  Condições de amplificação:
  • Amplicon de 50 a 200 pb;
  • Conteúdo de C e G não muito alto;
  • Primers com temperatura de anelamento = 60 °C;
  • Antes da desnaturação, deve ocorrer a ativação da enzima uracil-DNA glicosilase (UNG) a 50 °C durante 2 min, que protege contra contaminação e prevene a mutagênese, eliminando o uracila das moléculas de DNA , clivando a ligação N-glicosídica e iniciando a via de reparo por excisão de base; 
  • A polimerase utilizada é a AmpliTaq Gold DNA Polymerase, ela é ativada durante 10 min a 95 °C;
  • Desnaturação a 95 °C, anelamento a 60 °C e extensão a 60 °C (essa temperatura já é suficiente para a polimerase dessa técnica) por 40 ciclos.

 O termociclador para essa técnica deve possuir uma fonte de excitação (lâmpada de tungstênio), ter um sistema aberto que permite o uso de outros fluoróforos (moléculas que absorvem e emitem luz em um comprimento de onda específico e permitem o acompanhamento da reação ao longo dos ciclos), desde que tenham comprimento de onda compatível com os filtros. Além disso, o termociclador deve funcionar com um fluxo de elétrons que direciona aquecimento ou resfriamento (sistema Peltier). A máquina deve possuir 5 filtros que leem 5 comprimentos de onda diferentes, a partir disso deve ser escolhido o corante para a reação.

Termociclador da reação de PCR convencial à esquerda comparado com o termociclador da reação de PCR em tempo real à direita.

  A cinética da PCR em tempo real:

  • Baseline/linha basal: fase onde a intensidade de sinal de produto amplificado ainda não ultrapassa a intensidade da fluorescência encontrada no meio;
  • Threshold/limiar: nível de fluorescência onde a reação é detectada durante a fase exponencial; deve-se comparar o Threshold das triplicatas (média, desvio-padrão etc.), o que pode levar a excluir uma das triplicatas ou mesmo a repetir a corrida;
  • Cycle Threshold: ciclo (ponto no tempo) onde a reação cruza o limiar de detecção (Threshold).
  • Platô: quando a amplificação torna-se subótima; algumas amostras já amplificam com poucos ciclos e logo atingem a linha de platô e outras demoram para amplificar.



 O sinal do ROX é o controle usado para normalizar o sinal de fluorescência (emissão constante). Ou seja, é uma correção das diferenças causadas por flutuações não relacionadas à termociclagem, como volume de reação ou evaporação. Geralmente utiliza-se a molécula fluorescente ROX.

 

 Os sistemas de detecção de químicas de fluorescência em tempo real deve levar em conta a especificidade requerida, a escala de aplicação, o custo, a experiência do laboratório e a leitura do aparelho. Aqui estão citados alguns sistemas:
  • SYBR® Green: 
- Intercalante de DNA fita dupla; 
- Fluoróforo em suspensão;
- Inespecífico (basta ser um DNA de fita dupla que ele irá se ligar e fluorescer); 
- Curva de dissociação ou melting: permite verificar a especificidade do produto amplificado;
- Não permite multiplex (múltiplos primers para múltiplos genes numa mesma reação); 
- A emissão de fluorescência é proporcional ao número de moléculas e ao tamanho do amplicon.
  • Sistema TaqMan®
- Baseia-se na atividade 5'-3' exonuclease (enzimas que atuam na clivagem de nucleotídeos a partir do final de uma cadeia polinucleotídica);
- Trabalha com sondas que contém fluoróforos na posição 5' da posição, as sondas são sequências de nucleotídeos complementares ao DNA alvo. Elas possuem as extremidades Reporter (5') e Quencher (3') na mesma molécula, na posição nativa toda luz do fluoróforo é absorvida pelo Quencher (não há detectação de fluorescência no tubo de reação). Conforme os amplicons forem surgindo, a sonda irá hibridizar-se com esse alvo gerado e ficará exposta à atividade de exonuclease da polimerase. Como consequência, essa sonda será degradada e o fluoróforo ficará distante do Quencher que agora não mais será capaz de absorver a luz emitida.
- Específico;
- Permite multiplex;
- Não permite curva de dissociação: verificação em eletroforese em gel.

  • Sonda do sistema TaqMan®:
- Localiza-se de 1 a 5 pb do primer;
- Temperatura de anelamento deve ser ~10 °C maior do que a temperatura de anelamento dos primers, então se a temperatura dos primers é 60 °C a da sonda deve ser 70 °C;
- A primeira base não pode ser G (Quencher);
- Não pode ter mais G do que C e não deve ter quatro bases consecutivas iguais;
- Pode ter Quencher fluorescente (TAMRA) ou não fluorescente (Minor Groove Binder): sondas mais curtas que aumentam a eficiência de transferência de fluorescência Reporter-Quencher, diminuindo o ruído de ensaio.

 Expressão gênica diferencial: expressão variável em diferentes tecidos ou diferentes fases do desenvolvimento. Tipos de quantificação da PCR em tempo real:

- Quantificação absoluta: determinação do número exato de moléculas; obtêm-se valores numéricos com alguma unidade, como número de cópias ou nanogramas de DNA;

- Quantificação relativa: análise comparativa do ácido nucleico alvo com o do controle interno ou do calibrador; são comparados os Cts de cada amostra e os resultados representam ordem de grandeza (por exemplo, 5x mais ou menos expressão de um determinado gene). 

 Outro exemplo: observando a fluorescência da triplicata de um gene X comparada à triplicata de um gene Y, pode-se comparar quanto a triplicata do gene X está menos ou mais expressa que a triplicata do gene Y, para isso observa-se o Ct e depois compara-se com um gene de referência (housekeeping).

 No PCR quantitativo, é necessário fazer uma curva de diluição, que é utilizada para os primers e para a amostra. Ao final dos 40 ciclos é necessário escolher um modelo matemático para fornecer um resultado em ordem de grandeza, pode-se usar o cálculo de razão e eficiência para isso.



 Cálculo da expressão gênica:
  • Expressão de um gene: quantidade de cópias do gene alvo divida pela quantidade de cópias do gene constitutivo;
  • Variação da expressão: expressão do gene no grupo experimental dividida pela expressão do gene no grupo controle.
 Instrumentação para a análise genética: ABI PRISM® e iCycler iQ™



Referências

BARREIROS, A. L. B. S.; BARREIROS, M. L. Aula 14: ácidos nucleicos. Disponível em: <https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/09580602042012Quimica_Biomoleculas_Aula_14.pdf>. Acesso em: 24 set. 2023.

ALBERTS B, BRAY D, JOHNSON A et al. Molecular Biology of the cell. New York: Garland Publishing, Inc., 2014. 6th. ed., 1268p. 

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