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segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Se vacinar é uma questão de saúde pública

  Olá pessoal, estou aqui para reflexionarmos acerca do ''movimento antivacina'', embora não seja científico ele influencia muitas pessoas atualmente...

Breve histórico da farsa

 Sempre existiu uma certa desconfiança por aí, porém com relação aos eventos recentes o novo estopim foi com a publicação de um estudo falso em 1998, o médico britânico Andrew Wakefield publicou um estudo em uma respeitada revista científica, a Lancet. Nele, Wakefield relacionava a vacina tríplice viral, que previne contra a caxumba, o sarampo e a rubéola, ao autismo.

 Das 12 crianças com autismo analisadas no artigo, oito teriam manifestado a doença duas semanas depois da aplicação da vacina. A teoria era de que o sistema imunológico havia sofrido uma sobrecarga com a imunização.

 Um tempo após a publicação, o estudo começou a ser questionado. O médico estava envolvido com advogados que queriam lucrar a partir de processos contra fabricantes de vacinas. Além disso, ele utilizou dados falsos e alterou informações sobre os pacientes. Após a confirmação do caso, a Lancet se retratou e retirou o estudo de seus arquivos.  

Desconhecimento e senso comum

 O movimento antivacina é um mix de conspiracionismo e senso comum, onde todas as corporações e instituições/empresas estão mancomunadas em prol da Nova Ordem Mundial e do controle/extermínio em massa da população. De fato, sabemos que o dinheiro controla o mundo globalizado atual, contudo é inocente achar que a vacina faz parte de um projeto para adoecer as pessoas e torná-las dependentes da indústria farmacêutica.

 Curiosamente as pessoas que dizem isso parecem se esquecer que as redes sociais e a tecnologia já nos controlam. O programa que você baixou num site não seguro, as suas publicações e curtidas nas redes sociais, o GPS do seu aparelho celular, a exposição de sua vida nas redes, o dossiê que você dá às grandes corporações ao se inscrever em um de seus serviços... e é por esse mundo que tantos desenvolvem ansiedade, depressão ou males ligados ao sedentarismo.

 Mesmo assim, as pessoas após tomarem seu copo de Coca-Cola e ver o noticiário em sua TV Smart acreditam que é a vacina a grande vilã controladora de suas vidas. Geralmente elas não não sabem muito bem o que é lactose, assim como não sabem o que é vacina e como funciona, e se você tenta explicar elas respondem ''é o que dizem, um monte de nomes complicados que não querem dizer nada!''.

 Elas não deixam de tomar seus remédios, apesar de acharem que a vacina não funciona! Se pegarem as doenças que as vacinas previnem no fim das contas muitas vão tomar as medidas que forem necessárias para contê-las. Creem firmemente que todas as empresas e pessoas do ramo científico estão vendidas, não entendem bem o que é ciência ou o que seria o método científico, creem que estão sendo enganadas a todo momento e que apenas o vídeo de um desconhecido que chegou via Whatsapp, com voz inflada e tom exaltado, seja a verdade.

 Dão todos os descréditos às ciências mesmo tendo suas vidas completamente dependentes dos estudos científicos, presente na microeletrônica de seus celulares e até mesmo na física e matemática que mantêm suas casas em pé. Usam sua internet alicerçada na ciência e até mesmo nos satélites que orbitam a terra (redonda, por favor) para propagarem sua desconfiança com a ciência, porém acreditam na veracidade da fake news via Whatsapp que diz que o pH 27 do limão mata o coronavírus...

Ignorância em vários níveis

 Bom, qualquer um que prestou atenção nas aulas de filosofia deve saber que o senso comum tem seu valor, embora seja questionável. Manga com leite não mata, como diz a superstição, porém de fato muitas plantas conhecidas do senso comum de fato têm propriedades medicinais (daí surge a biopirataria na Amazônia que se aproveita do conhecimento dos indígenas locais para produzir remédios no estrangeiro e vendê-los a nós, essa é a malícia da indústria!).

 O senso comum é um tipo de conhecimento popular, adquirido pela observação e pela repetição, que não foi testado metodicamente. Assim como o senso comum, a ciência, ou melhor, o método científico, começa com a observação, observa-se um fato e formula-se uma hipótese para explicá-lo, a partir daí a ciência mostra sua cara através da experimentação para validar essa hipótese ou não. Caso validada a hipótese temos uma teoria (sim, teoria e hipótese não são sinônimos; por isso não rola falar que evolução é apenas uma teoria para dizer que ela é uma suposição), se não for validada a hipótese deve ser revista.

 Com uma teoria, podemos fazer um modelo científico para explicar os fenômenos, e a ciência não é imutável pois ela avança com as descobertas, por exemplo, quando Charles Darwin formulou o evolucionismo ele não sabia absolutamente nada sobre genética, simplesmente porque essa área tinha acabado de começar com Mendel. Décadas mais tarde, finalmente pôde-se explicar o mecanismo por trás da evolução, baseado em herança genética e mutações, ou seja, não descartou-se o evolucionismo apenas porque ele não conhecia a genética, mas sim acrescentou-se e corroborou-se o evolucionismo com as novas descobertas. Além disso, é preciso deixar claro que lei não é uma teoria mais corroborada, e geralmente a denominação de lei refere-se às descrições matemáticas do fenômeno ou tem razões históricas (não estamos acostumados a falar em Lei da Evolução, mas essa nomenclatura não seria de todo incorreta; sem falar que a Lei de Dollo é comportada pela Teoria da Evolução e nos diz que um organismo vivo nunca retorna exatamente a um estado anterior).

 



 ''Por que a ciência é verdadeira?'', meu amigo, a ciência não é importante porque ela é verdadeira, até porque, segundo David Hume (filósofo empirista do século XVIII) ela não é verdadeira, a ciência e também a filosofia são importantes porque são prováveis. Para Hume, não é possível dizer que o sol irá nascer amanhã, e se pensarmos de fato ele tem razão: supomos que o sol irá nascer amanhã pois é o que ocorreu ontem, anteontem e por aí vai. E o mais importante de tudo: a ciência está aberta a novos conhecimentos.

 Um exemplo emblemático de que a ciência avança (sim, não adianta você dizer que a ciência é falha pois ela pode mudar com novas descobertas, a ciência é confiável exatamente por isso; não podemos ser inocentes e achar que o conhecimento não pode ser melhorado): durante muito tempo acreditou-se na abiogênese, ou seja, geração espontânea da vida, se você deixar uma carne parada irá ver que espontaneamente surgirão larvas, a vida veio do nada! Você pode achar que isso é totalmente incoerente, e de fato é, mas houve muita resistência quando tentaram provar que na verdade a abiogênese é uma falácia e a biogênese, ou seja, a vida só vem da vida, deveria substituí-la. O conhecimento avança, sabemos que as larvas não surgiram do nada, uma mosca em algum momento teve que pousar e botar seus ovos naquela carne putrefata, eu te pergunto: se você fosse dessa época, colocaria a biogênese em descrédito?

 E depois podemos nos surpreender, as atuais explicações para o surgimento da vida na Terra admitem que a vida surgiu do que não era vivo, ou seja, uma geração espontânea, claro que em condições muito específicas.

 ''Quem garante que não forjam os resultados?'', boa pergunta: os outros cientistas. Um passo importante para validar um estudo é poder seguir as instruções/passos descritos no estudo chegando nos mesmos resultados, por isso o estudo deve ser claro nesse ponto, um exemplo disso foi quando um pesquisador publicou um estudo defendendo a postura bípede do espinossauro, atualmente é quase um consenso que ele assumia a postura quadrúpede a maior parte do tempo, enfim: outros cientistas não tiveram acesso ao programa de computador que esse pesquisador utilizou, com isso desconsiderou-se a validade do estudo. A ciência é assim, não basta dizer, tem que provar e permitir que os outros cheguem nos mesmos resultados, o método é bom pois se todos os estudos fossem perdidos hoje, poderíamos chegar nos mesmos resultados apenas seguindo seus passos: o conhecimento não é criado por nós, ele é depreendido da natureza por nós.

 Ah, sem falar que não faz sentido dizer que a indústria farmacêutica nos deixa doentes para tomarmos seus remédios (supõem-se que funcionam, com uma fala desse gênero) e ao mesmo tempo dizer que a exposição a todas as doenças é garantia da criação de anticorpos e a vacina é que irá nos matar/contaminar... 

 Basta você ir em centenas de laboratórios do mundo e fazer uma análise bioquímica de uma amostra x, que na verdade seria uma vacina, aposto que nenhum vai te entregar um relatório escrito ''restos de feto e toxinas altamente nocivas''! E não, os laboratórios do mundo todo não estão mancomunados, se duvidar disso vire um profissional da área e descubra que ninguém recebe ligações da CIA no meio do expediente falando para esconderem informações.

Contraditórios!

 O ceticismo faz parte das ciências, mas ele é um ceticismo relativo, ou seja, duvida-se enquanto não houver provas e dados que corroborem o que foi dito. O problema é cair num ceticismo radical onde duvida-se de tudo e não admite-se a existência de verdades, sem falar que é um pensamento contraditório, porque dizer que ''não existem verdades'' como sendo uma verdade é contraditório...

 Outra incoerência é falar que a exposição à doença cria anticorpos, isso é verdade, o problema é quando a doença te mata antes disso, né? A vacina faz exatamente isso, ela te expõe ao antígeno, pode ser um vírus ou bactéria, enfraquecido, isso faz com que o seu corpo reconheça o antígeno e produza anticorpos e em infecções futuras saiba combater aquele tipo de antígeno, e tudo isso sem precisar desenvolver a doença! Efeitos colaterais? Tudo tem efeitos colaterais nessa vida, entretanto devemos saber pesar as coisas, não aprova-se uma vacina com efeitos colaterais graves, e aliás, você já leu a bula do seu remédio para dores de cabeça? Recomendo você ler a parte de efeitos colaterais...

 ''Tenho um conhecido que nunca se vacinou e está ótimo!'', que sorte a dele! Se ele vive num ambiente cercado de pessoas que tomam vacinas, com certeza fica muito mais difícil da doença chegar até ele considerando que os vacinados controlam essa disseminação de doenças, isso chama-se imunidade de rebanho.


 Não adianta falar ''meu corpo, minhas regras'' com relação ao aborto e achar que não vacinar seus filhos é uma questão de liberdade que só diz respeito a você. É uma questão de saúde pública, bem como o saneamento básico, eu não posso jogar lixo na rua achando que essa é uma decisão individual, e você sabe muito bem o porquê não é.

 Imagine pais vacinados que resolvem não vacinar seus filhos por acreditarem nessas falácias, cria-se uma nova geração suscetível às doenças que seriam facilmente prevenidas com a vacinação, esse grupo crescente seria o mais suscetível a contrair determinadas doenças. Soma-se isso com aqueles que não podem tomar vacinas, por não terem a idade certa ou por terem deficiência imunológica, e aos jovens (um em cada quatro jovens brasileiros acha que vacina faz mal segundo pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia), com isso temos um grande grupo, suficiente para doenças quase erradicadas reaparecerem.

Surgimento da primeira vacina

 A primeira vacina surgiu a partir dos estudos realizados pelo médico inglês Edward Jenner. Ele observou pessoas que se contaminaram, ao ordenharem vacas, por uma doença de gado e chegou à conclusão de que essas pessoas tornavam-se imunes à varíola. A doença, chamada de cowpox, assemelhava-se à varíola humana pela formação de pústulas (lesões com pus).

 Diante dessa observação, em 1796, Jenner inoculou o pus presente em uma lesão de uma ordenhadora chamada Sarah Nelmes, que possuía a doença (cowpox), em um garoto de oito anos de nome James Phipps. Phipps adquiriu a infecção de forma leve e, após dez dias, estava curado. Posteriormente, Jenner inoculou em Phipps pus de uma pessoa com varicela, e o garoto nada sofreu. Surgia aí a primeira vacina.

 O médico continuou sua experiência, repetindo o processo em mais pessoas. Em 1798, comunicou sua descoberta em um trabalho intitulado “Um Inquérito sobre as Causas e os Efeitos da Vacina da Varíola”. Apesar de enfrentar resistência, em pouco tempo, sua descoberta foi reconhecida e espalhou-se pelo mundo. Em 1799, foi criado o primeiro instituto vacínico em Londres e, em 1800, a Marinha britânica começou a adotar a vacinação. A vacina chegou ao Brasil em 1804, trazida pelo Marquês de Barbacena.

Funcionamento de uma vacina e do soro e conceitos de imunologia

Funcionamento de uma vacina.
Funcionamento de um soro.

  • Imunização ativa: quando você produz seus próprios anticorpos.
- Artificial: vacinas.

- Natural: exposição ao antígeno (não sei você, mas isso não me parece tão seguro).
  • Imunização passiva: quando você recebe os anticorpos prontos.

 - Artificial: soro (imagina se você tivesse que esperar seu corpo produzir os anticorpos para combater o veneno de uma cobra, por isso os soros já entregam os anticorpos prontos para combater o antígeno).

- Natural: leite materno (daí a importância da amamentação).

 

 Um vacinado contra varíola e outro que não havia sido vacinado e desenvolveu a doença. O último caso natural da doença foi diagnosticado em outubro de 1977, o que levou a Organização Mundial de Saúde a certificar a erradicação da doença em 1980.


Artigo complementar: Breve história de medo e desinformação: os movimentos antivacina

Fontes Guia do Estudante, Brasil Escola